Há dias, enquanto dialogava informalmente com uma insónia, lembrei-me de dois colegas do 6º ano: o Marco e o Rui.
O Marco tinha um método imbatível para terminar as lutas no recreio, enchendo gratuitamente ambos os participantes de porrada até o festival acabar. Quer por desistência dos combatentes. Quer por intervenção externa (funcionárias da escola, popularmente chamadas de contínuas). Quando alcançasse a idade exigida, era sua obsessão ter uma Kawasaki Ninja verde, cor alinhada com a sua tendência clubística, outra das obsessões.
Ao Rui, como tinha óculos da marca Galileu, chamavam-lhe Galileu. Lógica simples. Não subtraía trocos aos colegas por uma questão de ética inconsciente. Embora, por mais que uma vez, a tentação tivesse levado a melhor, vendo-se inoportunamente na pose de pertences que a ele não lhe pertenciam. Chegou também a gravar tentativas de “apontamentos” para ouvir no Walkman em pleno teste. Um fiasco.
Ambos apresentavam com orgulho um ligeiro buço e partilhavam a qualidade de repetentes. Como eram mais velhos, inferia-se que existiam certas matérias da vida nas quais eram especialistas ou experimentados. Ora, algures naquelas cabeças, essa expertise tinha de ser concretizada com uma nota apresentável no teste de Ciências da Terra e da Vida (CêTêVê), quando se passou pelo capítulo respeitante à reprodução sexual. O desempenho no dito teste foi positivo, porque "fiquem lá vocês com os números que de ғоdɑ e de соnɑ percebo eu…". Foram ovacionados por até nos termos androceu e gineceu terem acertado.
Depois deste sucesso e a validação perante os colegas alcançada, voltaram ao ciclo de cábulas onde o êxito lhes era esquivo. Ser repetente também dava um certo estatuto na escola. Um estatuto pouco recomendado e de respeito fugaz pois iam ficando para trás.