quinta-feira, maio 04, 2006

Adjutare Unu Dot

Ainda sou do tempo em que os pais e os avós batiam nos filhos e netos (respectivamente) por estes colarem dots no televisor.

Também sou do tempo em que os pais e os avós batiam nos filhos e netos (respectivamente) por estes não os colarem no televisor e estragarem dots que "ainda estavam bons". Era frequente ver os cachopos a apanhar nas ventas em pleno estabelecimento de fastfood por os pequenos estafermos estarem a colar dots nas paredes e nas mesas, inviabilizando um potencial prémio.

Regra geral a mãe arreava com as expressões e genica de quem apaga um incêndio com uma manta, só que neste caso a manta era a mão que ataviava uma cara que já devia estar a arder, e o pai, que era mais entendido no assunto, tentava arranjar a importante e magnífica hóstia das prendas.

Era um Portugal dividido por uma nova religião, ou se acreditava no dot ou se era ateu em relação ao dot. Não havia meio termo nem lugar para indecisões.


Nunca descobri uma explicação, assente nos pilares da ciência, que me aclarasse como é que uma rodela de cartão canelado com uma película autocolante, conseguia guardar informação sobre o programa visto e se visto até ao fim.



Várias explicações me foram dadas mas todas convergiam para a transcendente incerteza: "no entanto há diversos tamanhos de tuvisores e o dot é sempre, sempre o mesmo..." com voz de Galileu Galilei que, já no leito da morte, proferiu a célebre frase: "no entanto ela move-se..."



Com o dot nasceram uma série de boatos e histórias de gente que enviou dots por "activar" e ganhou uma torradeira (no meu caso uma amiga de uma amiga minha ganhou uma acelera), logo desmentido por gente que viu quem disse que o seu envio de dot foi anulado por este estar danificado ou activado incorrectamente (como se as entidades promotoras se dessem a esse trabalho).


Como tudo o que há por cá neste país de fuinhas, formou-se uma elite de especialistas em dots. Elite que aparece sempre nestas coisas do oculto. Activava dois dots por programa "é só mudar no intrevalo, tem é que ser no intrevalo...Há-de asheprimentar lá no seu tuvisor como eu lhe estou a dizer... nunca reparou que no intrevalo se apaga o boneco do dot? É à confiança... o programa dentro do dot não apanha! Um primo de um conhecido meu trabalha lá no dot e diz que não há mal nenhum, durante o intrevalo há uma falha no sistema! Só tem que ter o brilho bem puxado lá no seu tuvisor que é para aquilo gravar como deve ser".


Recordo vagamente algumas fortunas que se fizeram com a combinação de dots com programas gravados em vídeo... gente que se dedicava a tempo inteiro a colher proveitos do dot para subsistência de toda a família.

Era mais lucrativo que uma máquina de fazer notas.


A precisão com que se centrava um dot no canto superior direito e a preciosidade com que se o metia no envelope para não se estragar, chegava a ser mais cirúrgica que muitas operações com cirurgiões de renome.


Confesso que não cheguei a colar nenhum dot na testa mas tenho pena de não o ter chegado a fazer.