sexta-feira, outubro 10, 2008

A Guilhotina

Nos dias que correm, é cada vez é mais perigoso ir ao baeta. Para terem uma ideia de um dia a correr, imaginem-no vestido como um maratonista dos anos 80, com uma fita da naique na cabeça, calções curtos e t-shirt curta para se ver o umbigo, a correr ao ritmo da música "I Need A Hero" de Bonnie Tyler perto dos terrenos da CUF no Barreiro.

Hoje mesmo fui ao mestre Abílio aparar o cabelo. Como bom estabelecimento que é, tem sempre o jornal do dia disponível para a clientela ler enquanto espera. Com a casa cheia, sinónimo que o serviço é bom e procurado, sentei-me, aguardando a minha vez. Para ajudar a passar a delonga, comecei a ler o jornal.

Foi então que senti uma presença estranha. A princípio tentei ignorar, pensei tratar-se dum sintoma relativo à notícia que lia, referente à votação na Assembleia da República sobre o casamento gay. Qual não é o meu espanto que, essa mesma sensação paranóica, persistiu mesmo depois de mudar para a secção desportiva.

Foi então que constatei que uma figura de ar esgazeado me fitava ininterruptamente do outro extremo do "atelier". Continuei como se estivesse a ler o jornal mas desta vez, tentei controlar de soslaio o individuo. Nem meio minuto tinha passado e ele levantou-se, dirigindo-se a mim de mão esticada para me cumprimentar "Boua Tard' ", disse-me enquanto se sentava ao meu lado. Retribui de igual forma o cumprimento, receando alguma acção violenta se o contrariasse.

Se antes estava incomodado agora, com ele sentado ao meu lado e com o seu prolongado nariz a um palmo e dois dedos da minha orelha esquerda, estava em pânico.

"Se é para morrer... certamente será agora", pensei eu enquanto tentava adivinhar qual seria a sensação de ser atravessado repetidamente pela faca que certamente se aproximava. Pousei o jornal no ombro da cadeira enquanto olhei para o espelho pela última vez. Nesse mesmo instante, o jornal é surrilampado na mais curta fracção de tempo que a ciência moderna é capaz de medir. A criatura esgueirou-se igualmente rápido para um canto, quem nem uma cobra num amontoado de pedras, afastando-se da minha cadeira com ar ávido e ganancioso.

Afinal, o pobre animal, só queria o raio do jornal.