domingo, julho 22, 2007

Homine Futebolis Totale


Márinho é o "homem-futebol", o atleta do momento de quem todos falam. Ele eclipsa a própria sombra (não percebi ao certo o que escrevi mas o feito soa a grande).


O Emblema do Coina

Apanha o 302 na Baixa da Banheira, aonde vive com os pais, o tio e a avó materna, com destino ao Fogueteiro. O seu lugar na camionete é o mesmo de sempre: em pé junto ao motorista para trocar os habituais dois dedos de conversa. Estorva quem entra, mas está longe a má intenção.



302 para o Fogueteiro parado no terminal.

Antes ia sempre a rasgar na sua BWS (o raio da scooter deve ter sido feita a pensar nos anões ou nos putos que andam de mota antes dos 16 anos) para os treinos. Com as chuteiras, compradas na drogaria do sr. Alberto com o dinheiro de dois natais, atadas uma na outra e penduradas à volta do pescoço lá ia ele de sorriso na cara, deixando um infindável rasto de fumo e cheiro a óleo queimado. Mas, depois de lhe a roubarem à porta de casa (um dos primos é que teve sorte, na mesma semana comprou uma mota igualzinha à dele por muito bom preço), vê-se obrigado a aceitar o caloroso convívio do tão prático transporte público.



Márinho sempre bem disposto. Aqui ainda na sua BWS.

Ainda há pouco tempo, uma senhora de meia idade que nunca se poupou na sagrada hora da refeição, ao deslocar-se no corredor da camionete, desequelibrou-se com um travagem mais repentina (louvável manobra do motorista que evitou atropelar um grupo de cinco cães que, mijando pequenos jactos de urina em tudo o que tivesse forma e existência, seguia cegamente uma cadela com cio). Com a aflição de uma queda eminente, tentou amparar-se no Márinho que, com o instinto de goleador que lhe corre nas veias, a fintou com uma simulação de ombros à Jardel. A velhota coitada, que estava de férias com a neta mais nova no Clube de Campismo de Lisboa (que raio fazia ali a velha? O CCL ainda fica longe), apesar dos inúteis movimentos desesperados dos braços (que se assemelhavam bastante a vigorosas braçadas de crawl), não evitou enfiar-se pelo meio dos bancos que nem um polvo numa estreita gruta à beira-praia, com os seus tentáculos a contornar as superfícies da rocha.



Polvo de grande porte camuflado na rocha.

Acabou por partir a placa dos dentes e rachar bacia. Agora tem uma prótese e anda com duas muletas. O Márinho, com o seu bom coração, retira todos os meses dos seus 200 euros de ordenado, uma parte para ajudar a D. Elvira nos seus dispendiosos tratamentos.

Como qualquer outro dia de treino, toda a viagem de carreira com aquela direcção, acaba em Covas de Coina aonde o Márinho sai a correr para o campo meio pelado meio plantado do seu clube, para se adiantar no aquecimento.



Campo de futebol do Coina.

A sua camisola só pode ter um número. Aliás, jogar com esse número é a única condição imposta ao clube no contrato feito pelo seu empresário (que é igualmente o padrinho de casamento dos pais). Esse número é o 76, o ano da Revolução, algo que é muito próprio, especial e importante (três palavras para dizer a mesmíssima coisa) para o Márinho. Importante será também não lhe dizer o verdadeiro ano da revolução, para não desmotivar o seu valioso espírito ganhador.



Item de coleccionador raríssimo e de valor inestimável autografado pelo Márinho.

O treinador, gordo, careca e com bigode, empenha-se pelo empenho dos seus jogadores. Usa um fato de treino, cujo fecho eclair faz marreca à frente, tem duas riscas laterais brancas e é lilás e laranja. O mister gosta de observar os seus pupilos a tomarem banho, chegando mesmo a fotografá-los. Incentiva o uso do chuveiro aos pares para dar "melhor" ambiente ao balneário, traz espírito de equipa e, além disso, poupa-se água. Antes de cada jogo, o mister, que faz também de massagista, esfrega vigorosamente as virilhas dos seus atletas com chocolate líquido para bolos para os seu valiosos jogadores não ficarem assados naquela zona com o esforço. Quando se deslocam para longe (à margem norte do rio Tejo, por mero exemplo) em jogos oficiais, o Márinho é sempre o escolhido para ficar no quarto do treinador. Márinho, ingenuamente e sem saber do que se acaba de salvar, recusa sempre. Prefere a camaradagem dos seus colegas. Estar a dormir na mesma cama do mister poderia demonstrar algum favoritismo e isso só iria enfraquecer a união da equipa. Apesar do seu futebol de elite, o Márinho não treina nem joga sozinho. O Márinho dá tudo pela equipa. A unidade faz a força e o Márinho dá muita força à unidade.



Um por todos e todos por um.

O patrocínio da pastelaria de fabrico próprio, "Boca Doce", para além da saudável estabilidade financeira ao clube, traz também o pequeno almoço e lanche dos jogadores e dirigentes. Para breve espera-se uma acção publicitária para a pasta dentífrica medicinal Couto, toda ela centrada nas habilidades do Márinho.

Márinho, sempre sorridente e confiante, vai dando leves toques de cabeça na bola enquanto o locutor profere as qualidades do produto para a higiene oral dos campeões. Os telespectadores, abismados como as maravilhas acrobáticas do Márinho ficam como que hipnotizados e a mensagem é-lhes escrita directamente no inconsciente, tal como uma mensagem subliminar. Para terminar, o Márinho, sempre a fitar o olhar atento da câmara (que também é o olhar atento do espectador), com um certo ar de triunfo de quem ainda tem mais alguma para nos surpreender, ampara a bola no peito e passa-a de bicicleta ao assistente que se encontra protegido atrás do caixote filmante. "Palavras para quê? É um artista português". De salientar o perigo que é passar uma bola de bicicleta sem desviar o olhar de quem o filma. Qualquer outro Cristiano Ronaldo teria partido e dado um nó ao pescoço nesse mesmo instante.


Pasta dentífrica Couto.

Às Sextas-feiras à noite, vai ao "Master Bar" em Almada (não confundir com o outro de nome homofónico) para assistir ao espectáculo "He's a Lady". Apesar da variedade e de nunca terem um set repetido, é lá o poiso de uma grande estrela. Uma pavoa de nome artístico Ofélia Dná Salarga. Não que o Márinho seja grande apreciador do género, muito pelo contrário, vai com a mesma intenção dos que param para observar acidentes com feridos graves. O Márinho procura a sensação só explicável quando o horror bate à porta do choque e pede licença para entrar.



Artista transformista ao rubro e em plena actuação.

O Márinho vai para casa incomodado e, ao menos tempo, com um certo alívio de tudo aquilo não ser com ele. Por contraste, a contemplação bizarra dá-lhe um certo ânimo para enfrentar as adversidades do campeonato.



Ofélia Dná Salarga embora a cara, com a maquilhagem, esteja diferente.

O Márinho sonha entrar um dia na ribalta de uma liga estrangeira, sonha jogar no Huelva, esse dínamo do futebol mundial.

Esperam-lhe bons anos ao serviço do Coina, com muito esforço, dedicação e suor. Espera-lhe uma transferência para o Vila Real (de Santo António) e com um golpe de sorte, ver as suas qualidade apreciadas por um observador espanhol. Será toda a impulsão necessária para o almejado salto para o Huelva.



A futura casa do Márinho.

No fim, só deseja ver o seu trabalho de uma vida ser recompensado com um simples aperto de mão do Paulo Futre, seu ídolo desde criança.



Paulo Futre Total.

O Criador lançou à Terra um prodígio futebolístico destes (o Márinho) e nós só temos que agradecer assistindo ao milagre das suas exibições.

Júlio Universal

Neste momento, que me julgo acordado, apercebo-me que dificilmente serei um pescador numa sociedade tão saudável e magnífica como a visualizada no meu sonho.

Não é por isso que se deve deixar de sonhar.

Cá para mim (podia ter dito só "Para mim", mas assim a coisa soa com mais confiança e certeza no que se diz), qualidade de vida podia muito bem ser estar numa marquise a comer caju e a beber laranjada do lídl (daquela que nos deixa a boca em sangue de tantas aftas e outras maleitas nas gengivas e céu da boca), sentado, só em cueca larga para deixar os colhoates à vontade, de janela aberta para entrar ar f'esquinho e a ouvir Júlio Iglesias num aparelhame estéreo hifi com duplo deck para cassetes.


Tenho grande parte da discografia dele e cada vez sou um fã maior (fonte segura informou-me que ele, em pleno concerto, dá beijos na boca das bailarinas, todas elas novas e bem parecidas). Ao ouvir a bela música do Júlio Iglesias, encara-se a vida com alegria, confiança e paixão.
Ele é o amante universal.


O Grande Júlio Iglesias.


Que belo que é. Parece que se está de férias no sul de Espanha num hotel de duas estrelas e meia, melhor que muitos de 5. Em regime de meia pensão, com bailarico no pátio da piscina pela noite dentro, nada nos falta . Às vezes chega a ser dez e meia da noite e ainda há lá gente a dançar. Senhoras lindas e bem arranjadas, que é como quem diz pensionistas cujo perfume é laca para o cabelo e que dançam juntas. Aqui, nestas festas espanholas, não há bêbados a dançar sozinhos nem "quermesse" de rifas, os homens não saem é das cadeiras para não perderem o lugar na "esplanada". Mesmo assim não é um pezinho de dança que vai matar alguém. Não há sitio melhor para o fazer que o baile de S. João que se dá todos os anos na Trafaria. A música é bastante agradável e de tanto dançar tenho que ajeitar as calças para dentro das meias.



Toda esta sensação e estado de espírito são sentidos só a ouvir o Júlio, mesmo estando num T0 na Costa da Caparica, num prédio com vista para o mar. Para sermos rigorosos, a praia só se avista do terraço do prédio e o apartamento em questão está voltada para o terminal da rodoviária na Torre das Argolas.
Na altura da compra era bem mais em conta e o que importa é ter uma casa de férias ao pé do mar para se repousar um bocado.

Mas não é só de inércia que se faz o descanso, é necessário um pouco de exercício às vezes para arrebitar a molécula. Caribe Mix nos fones com o walkman (ainda sou do tempo em que a cassete portátil era uma modernice, agora um radio cassete portátil com MP3 seria o exponente máximo da tecnologia) atado ao braço, téni (escrito no singular está bem) Sport com meia branca até ao joelho (não é preciso ter raquetes desenhadas, meia branca já é à desportista o suficiente), t-shirt de manga cava com publicidade a um qualquer evento desportivo da década de 80, metida para dentro do fato de banho slip com padrão tigrado em verde e roxo, óculos escuros espelhados para a neve e uma pala para o sol para a moleirinha continuar exposta ao astro divino. Isto tudo para correr num parque de estacionamento ou no terminal das camionetas. Para a marginal de Belém é preciso atravessar o rio e tem muita gente para se estar a treinar à vontade.


Tecnologia de ponta.

Um moderno relógio digital Seiko é indispensável para contar o incontável quando se corre pelo asfalto fora.


O relógio digital Seiko usado nos treinos.

Duas vezes por semana apanho a carreira, com escala no Pragal, para Covas de Coina para ver bom futebol.


Carreira que parte da Torre das Argolas com destino ao Pragal.

Admirar a ascensão do "Profeta do Esférico" como é conhecido o Márinho, a estrela do Grupo Desportivo Das Covas De Coina.