sábado, outubro 21, 2006

Baccalaureu Monarcha

No Domingo passado almocei bacalhau cozido com grão.
Se na Terça-Feira não tivesse jantado favas com entrecosto, certamente que hoje já estaria na fase terminal de uma recuperação, cuja terapia, tem na comida da cantina os seus alicerces mestres.

Como almocei e não apenas comi, implica que no prato, juntamente com uma generosa posta de bacalhau (esse espantoso mamífero que habita as vastas planícies tropicais da Noruega), acompanhada de um frasco de grão, estaria uma bela malga de cebola, alho e coentros. Implica igualmente que todo o processo de vitaminação não poderia demorar menos de uma hora. Como estava com alguma pressa, os outros presentes só comeram e não almoçaram (passando em claro o saborear da dádiva dos deuses), almocei em apenas uma hora e dezassete minutos. Imperdoável. Podia dar-me alguma congestão por almoçar tão depressa, e ter que comer macrobiotica para o resto da vida. Irra... antes ter amigos pretos (tenho a absoluta certeza que, apesar de estar a dizer explicitamente que gostava de ter amigos de origem e cultura africana, virá, algures das profundezas infernais mais refundidas, alguma alminha só para me dizer que foi um comentário racista, vai-se lá conseguir compreender gente tão mesquinha).


Mal dei a última garfada, fui invadido por uma soneira daquelas que só me dão em aulas notavelmente massadoras (cheguei à conclusão, até ilações contrárias, que se trata de um novo tipo de jetlag, em que tudo ocorre por ordem inversa. Primeiro fico com o sono trocado e só depois sinto que estou noutro local com um fuso horário diferente daquele a que o meu relógio interno se havia habituado, acordo, abrindo os olhos des-sincronizadamente tentando convencer-me que nem sequer cheguei a adormecer, sem saber bem aonde e quando estou a fazer o quê, processo acompanhado por baba até aos queixos).


Derreado por uma refeição demasiado copiosa, abandonei-me às delícias duma sesta tão reparadora como imprudente... acordei com aquilo a que se chama de mau feitio (estrondosos choques atmosféricos provocados por diferenças de pressão normalizadas abruptamente).

Para aperfeiçoar a situação, que por si só já tinha bastante de excêntrico, notei que estava com hálito a alce (que como todos sabem é o macho da rena). Daqueles que puxam o meio contentor pré-fabricado (uns chama-lhe trenó, mas trenó é um nome meio afifizinhado de origem francesa) do pai natal verdadeiro. Esse velho bêbado, careca e tarado por crianças. A comunicação social é que adultera e corrompe a realidade, como sempre o faz com tudo, no sentido do maior lucro em publicidade. Propaga uma boa imagem desta sinistra entidade que passa um ano presa e mal sai em liberdade condicional é logo apanhada a aliciar crianças... e ainda há o descaramento de se transmitir tudo na televisão como algo de muito bom e positivo, provocando grande entusiasmo entre os mais pequenos. Como se não bastasse toda a divulgação em torno da coisa, também os pais incentivam os filhos a aceitar este malfeitor em suas casas - "Se não te portas bem o Pai Natal não te traz prendas". Não deveria ser ao contrário? "Olha que se voltas a meter mais uma vez o sacana do gato pendurado no estendal, comes um par de estalos (é coisa de se comer, porque almoçar um par de estalos era bastante mais demorado e aborrecido, com burocracias penosas para ambas as partes envolvidas) e chamo o Pai Natal cá a casa para ele te trazer prendas. É isso que queres? Depois não te queixes que ele te senta de barriga para baixo". As alternativas usadas até agora não têm sido, pedagogicamente, as mais correctas. Estar sempre a usar a entidade "o velho" ou "o polícia" só faz com que não se fique indiferente a estas duas distintas figuras, especialmente quando apanhamos os primeiros a conduzir em contramão na autoestrada porque se confundiram com o caminho.