terça-feira, fevereiro 17, 2009

Bandoletis Bandolinæ

Localização Clínica

Ambos os meus avós paternos foram enfermeiros naquele que terá sido, para mim, um dos mais completos espaços de diversão no qual convivi. Falo portanto, do Hospital Júlio de Matos e das minhas muitas visitas aos meus avós.
Apesar de na altura ter entre cinco a oito anos (não que não consiga precisar em que altura foi, estou é a afirmar que foi neste período), lembro-me com clareza de ter feito amizade com vários dos doentes lá hospedados (internados seria uma palavra desnecessariamente forte). Eram todos pessoas com a faculdade da razão, apenas tinham uma percepção da realidade ligeiramente distorcida.

Se o Luizinho guardava recorrentemente escória fecal (vulgo cocó) nas algibeiras para atirar aos eléctricos da Carris, é porque teria certamente motivos para o fazer. Quem sabe se num dia, um revisor lhe bateu com o alicate de picar bilhetes no alto da cabeça, incutindo-lhe esta revolta? E o Armando, homem de bom coração e de enorme robustez física, que apenas conseguia andar de costas ("marcha atrás")? Será que não conseguia encarar o futuro por estar preso à felicidade  e conforto do passado? E como seria eu capaz de esquecer o meu amigo Manuel Rosa que, para além da boina até ao nariz que lhe impedia a visão e lhe abriu as portas a três atropelamentos violentos na Avenida do Brasil, metendo-o em coma durante uma semana numa das ocasiões, também tinha uma formidável capacidade de cálculo que lhe permitia, numa questão de meros segundos, saber com total exactidão o dia da semana a que pertencia um qualquer dia de um mês e ano. Por si só, pode não parecer grande o feito não fosse o Manuel Rosa padecer de Microcefalia. A enfermidade era de tal forma pronunciada que, no seu pequeno crânio, as orelhas e nariz pareciam pertencer a gigantes.

Em todos eles, iniquamente rotulados pela sociedade como "doentes mentais", lhes era certa a aptidão de se auto-reconhecerem aquando diante de um espelho.


Entrada do Circense

Porém, neste meu texto, será explanado alguém que não conhece a própria imagem reflectida num espelho. Alguém que precisa de ser protegido neste Mundo hostil e cruel. Ser protegido como se protegem as formigas do astro Sol, com uma lupa. Dar responsabilidades a este adorno de cabelo é a mesmíssima coisa que meter manteiga no focinho dum cão. Não só pela inutilidade da acção, mas também pela velocidade com que o cão a faz desaparecer, lambendo a beiça avidamente no mesmo instante em que a manteiga é colocada.

Dentro de um grupo de trabalho onde eu estava incluído, escolheu a sua tarefa baseando-se noutro trabalho que lhe arranjaram feito. Estava convencido que era só transcrever na véspera e o restante tempo era aproveitado a mandriar. O problema maior consistia no facto de ambos os trabalhos, em parte alguma, serem correlacionáveis. Como resultado imediato destas decisões, em adição a mostrar no último instante possível trabalho feito (ou o nada que fez se preferirem), aos restantes elementos do grupo, a sermos realmente uma empresa, estaríamos falidos ao fim de três anos de existência. Logo quando, supostamente, estaríamos a arrancar para o sucesso. Infelizmente para nós, quando se encontrava perante os elementos avaliadores numa apresentação ao "público", não teve a mesma intrepidez na reposta que sempre teve para com o restante grupo. Chegou a ser patético ao tentar falar por cima de quem percebia daquilo, tentado justificar aquele número negativo que se encontrava a negrito, com letra vermelha e bem no meio de uma tabela. Estava com a legenda "Total Capitais Próprios".

Depois de elogiarem pela primeira vez um trabalho, laureando o esforço de parte do grupo, os professores iam tendo um enfarte ao rirem alarvemente da ridicularidade do erro. Mais uma vez, os que foram louvados por quem avaliava, foram igualmente culpabilizados da situação por quem calaceou a tempo inteiro. Talvez aquela massa cefálica esteja leitosa e azedada, quem sabe?


Transcritos Pagãos

Vou trasladar apenas algumas frases chave do seu exemplar trabalho, corrigindo apenas o tipo e tamanho da letra que, na sua versão original, final e corrigida (é preciso que se note), contava com dezanove (19) variedades diferentes, fora as tabelas e suas inexistentes legendas. Antes de escrever a frase precedente, dei-me à fadiga de contar todos os tipos de letra presentes num trabalho de 8 páginas, em que metade do espaço era ocupado por muitas "mudanças de linha" e "gráficos informativos". Estive tentado a disponibilizar a versão integral da sua obra mas, devido ao seu teor fortemente cómico, corria o sério risco do meu blog ficar ofuscado.

"As despesas em electricidade e a agua, foram estimados em 80€ e 15€ para o primeiro ano. Nas despesas de material de escritório, estão incluídas as despesas em consumíveis, em papel, capas, canetas, etc. Esta despesa foi estimada em 75€ para o primeiro mês."
Gasta 75€ em canetas, capas e papel por cada mês e 15€ de água num ano. "Despesas (...) estimados", nas frases dele, é raro o sujeito que case bem com o verbo. Talvez seja adepto daqueles casamentos mais recentes entre rapazes que se presenteiam com limpezas de pele ou se enfeitam com bandoletes no cabelo.

"Não existem despesas em licenças de sistemas operativos e de outros programas, devido ao facto de serem utilizados programas sujeitos a pagamento de licenças."
Que, depois de uma "ligeira" chamada de atenção da nossa parte, foi meticulosamente emendado para:
"Não existem despesas em licenças de sistemas operativos e de outros programas, devido ao facto de serem utilizados programas não estão sujeitos a pagamento de licenças."
Será que só corrigiu meia frase e esqueceu-se da outra metade? Ou terá sido entorpecimento mental que lhe deu na altura?

A minha favorita, reencarnou várias vezes. A frase foi emendada em todas as suas palavras mas, voltou do mundo dos mortos:
"É efectuado um investimento de 20.000 euros em equipamento básico, de forma a imobilizar a sala de estar, a sala de reuniões e os escritórios de trabalho."
Em todos os vários dicionários que utilizei na minha exaustiva procura, "imobilizar" nunca apareceu como significado de "meter móveis".

"É pretendido ter um estagiário Profissional na nossa empresa, o que tem um custo na secção Honorários, de 576€, este valor é estimado devido ao facto de ser um estagio profissional a empresa ira pagar o correspondente a um ordenado mínimo, e ao subsidio de almoço, o restante do ordenado do estagiário será subcidiado pelo estado."
"Subicidiado" é o erro mais engraçado nesta frase labiríntica.

"Devido ao facto de a nossa empresa garantir na instalação que o cliente fica obrigado a pagar uma anuidade durante um periudo minimo de 5 anos, e devido ao grande investimento feito pelo cliente para a instalação deste produto, preve-se que o cliente estara interessado em manter a ligação a PositionFlow por um periudo superior aos 5 anos, por isso mesmo quando a PossitionFlow atingir a fase de maturidade e começar a entrar na fase de declinio, preve-se que a empresa nunca podera ter um declino muito acentuado, isto porque apesar de a empresa já não efectuar um grande numero de novas instalações, preve-se que os clientes pretenderam manter-se ligados a PositionFlow, e assim pagar a anuidade de forma a poderem utilizar o nosso produto."
Estou convicto que foi esta a frase que bateu o recorde de frase mais longa. Para além de frases repetidas dentro da própria frase, insistiu na palavra "periudo".

"Foi decidido que a sede da Position Flow seja nas instalações da Ana, esta decisão foi tomada devido a facilitar a iteração entre a PositionFlow, e a Ana, e também devido a Ana ter instalações de grande qualidade, e ter espaço suficiente para nos disponibilizar."
Não confundir ANA com Ana, nem confundir interacção com iteração. São coisas distintas.

"Como pretendemos ao longo dos anos entrar cada vez mais em feiras tecnológicas e com as actualizações desenvolvidas no software publicar em conferencias internacionais, então estimamos que esta despesa teria um aumento segundo a taxa de crescimento."
Não foi alcançado o sentido da frase e, como tal, foi totalmente erradicada do trabalho.

"De forma a empresa evoluir de uma forma regular e sem estrangulamentos, é efectuado um investimento em fundo maneio de 250.000 euros."
A locução preposicional "de forma a" é das mais frequentes aberturas de frase, embora na frase anterior, a piada esteja na expressão "sem estrangulamentos".

"Convém também aqui referir que não são apresentados os impostos a pagar sobre os lucros obtidos no quarto ano de funcionamento da empresa, pois considerou-se nestas projecções que os prejuízos podem ser reportados de modo a abater à massa tributável nos anos seguintes."
"Convém (...) aqui referir", isto é um trabalho para uma cadeira de uma universidade ou é-se um representante sindical de uma fábrica de calçado em Penafiel, que tenta mostrar indignação para com a entidade patronal, numa reportagem do Jornal Nacional da TVI? Os sindicalistas, na sua generalidade, discursam sem recorrer a gramática de tasca e conseguem-no sem incorrecções.

"Analisando a tabela do seguinte do balanço previsional, pode-se verificar que o crescimento dos activos da PositionFlow deve-se subertudo ao aumento das aplicações financeiras, ou seja pelo aumento da venda de produtos, e correspondentemente dos serviços prestados ao longo dos anos."
Que raio é isso de um "subertudo"? "Sobretudo" vem do "sobre tudo", que significa "principalmente" ou "acima de tudo". Agora "subertudo" deve vir do "súber tudo" na qual, "tudo", já se sabe o que significa. "Súber" encontra aqui o seu significado. Não percebi aonde é que se queria chegar. O engraçado é que "subertudo" volta a aparecer em mais frases.

Saliento, mais uma vez, que todas as frase estão no seu estado original. Qualquer erro presente não foi introduzido por mim. Já lá estava na derradeira versão para entrega. Ainda ficou exaltado: "eu tinha dito eu n me importava de formatar o trabalho, é que mandar isto como foi mandado acho q é um bocado mau". O que está mau afinal? A nossa ou a parte dele? Num trabalho, até chega a ser salutar uma gralha ou um erro ortográfico, faz realçar a correcção e perfeição do restante trabalho. Agora um trabalho que é um erro de uma ponta a outra, só poderá salientar a estupidez do seu autor. Enfim, este marinheiro pouco se importa que o barco vá ao fundo: "Mas pronto eu tb n quero saber se passo a disciplina ou n, foi so para chamar alguns aspectos, para o caso de chumbarmos, que acho q é algo bastante provavel, gostava de n ouvir novamente a dizer q a culpa é toda minha, e q eu n trab, etc."


Evasão de Personalidade

Penso que a amostra foi razoável para se ter uma ideia clara da personagem. Embora a imagem que eu tenha dele seja bastante difusa.
Se a leitura deste resumo é suficiente para fartar o mais persistente dos persistentes, imagine-se corrigir o texto todo numa tarde, já com a cabeça moída com o debate inútil para fazer acreditar a importância de entregar o raio do trabalho atempadamente.
Existiu apenas um grande empenho em duas únicas tarefas, desculpar-se e culpabilizar os outros. Entre o trabalho já estar feito, mas estar ou ter ficado sem Internet no momento de enviar, estar na terra e o computador com o trabalho ter ficado em casa, não ter sido avisado das reuniões do grupo (com avisos feitos simultaneamente para o email e por mensagens escritas para o telemóvel), ter trabalhos para seis cadeiras mais a tese até ao ridiculamente vistoso: "não mostro porque vocês também não fizeram nem mostraram nada feito". A cisma e o devaneio estiveram sempre presentes.


Epílogo

Talvez o nobre leitor, ao longo do texto, se tenha perguntado:
"E se o quadrúpede em questão, lê esta reportagem?"

Apesar de a interrogação ser válida, este meu texto será lido pelo dito, tantas vezes quantas as que ele leu o que eu fui redigindo ao longo do trabalho. Nenhuma. E, como já tinha dito, se ele é incapaz de distinguir a própria imagem num espelho, muito menos se reconhecerá neste texto. Aguardo sofregamente o resultado de toda esta experiência.

sábado, fevereiro 07, 2009

Di Ultimus Studius

A figura que se segue, está presente num dos blogs mencionados na lista presente no meu blog:

Apesar de isto parecer uma piada óbvia para ou sobre os estudantes universitários, só os alunos de elite, como é o meu caso, se aperceberam do dilema tratado nesta tira desenhada.

Acontece que, ao longo do semestre, não dá para estudar em pequenas porções. Porquê? Porque só é concluída a matéria no fim do semestre e, só aí, se pode ter uma visão geral e global da matéria. Só assim se pode discernir capazmente o que é importante do que não o é, conseguindo ver, com clareza e lucidez, o papel de cada sub-conteúdo no conjunto todo. Só no fim, já em cima dos exames, temos em nossa posse a ferramenta de trabalho completa para começar a praticar eficazmente. Conseguimos saber objectivamente que direcção tomar num problema sem andar com rodeios desgastantes e desnecessários. Até lá estamos a tentar apagar fogos florestais com uma colher de chá.

Quem me garante que os professores não nos dão uma bicicleta para fazer uma travessia atlântica e nos omitem a existência do barco? Se mesmo de barco já é uma tarefa épica. isto sem nos assegurarem que não metem tempestades durante o percurso só para regozijo próprio, como seria com uma bicicletal? O que eles querem é que nos afoguemos todos, é o que é. Os alunos totós pegam logo no que lhes dão e depois queixam-se que têm azar. Os perseverantes têm o sangue frio suficiente para aguentar até à última e, só no fim, quando têm as várias soluções possíveis, escolher a melhor e privarem-se de uma morte certa.

Como se pode ir estudando ao longo do semestre? É como aprender a conduzir sem ter um carro completo. Ensinam-nos o que é um cilindro... e depois? Para que me serve tal coisa? Tirando casos raros mas existentes e cada vez mais comuns, ninguém monta num cilindro para ir fazer as compras do mês ou para levar a patroa a passear. Poderia fazer o trocadilho "a patroa que se passeie montada no nosso cilindro" mas não o vou fazer. Seria entrar na ordinarice e no brejeiro. O meu, é um blog de bem.

Resumindo o que escrevi, quem disser que dá para estudar ao longo do semestre, na realidade está a dizer que já montou um cilindro e se deu bem com a experiência ao ponto de a defender e recomendar aos outros. Sim senhora, ricos amigos...