quinta-feira, dezembro 15, 2011

Um Acontecimento Singular no Universo

Embora me tenha forçado sempre ao contrário, ainda não consigo acreditar no acto de reencarnar (forma preferível a reincarnar). Porquê? Porque me sujeito eu a esta angústia permanente tão facilmente solucionável com o simples acto de acreditar?

Simples, porque todos os que falam em vidas passadas, foram invariavelmente Júlio César, Napoleão Bonaparte, Marquês de Pombal ou o General Tito (salvo a excepção de um antigo colega da faculdade que sempre afirmou ter sido a Mata Hari).

Nunca ninguém se chegou à frente e afirmou categoricamente:
"Eu fui um limpa traseiros na corte del Rei D. João II, Dinastia de Avis, durante o seu segundo reinado."

Nem isso, nem engraxador na Rua Augusta, calceteiro na Rua do Ouro ou carteirista no eléctrico que sobe à Graça. Digo que sobe e não o contrário (desce à Graça) porque quando sobe, é que o eléctrico vai à pinha de turistas com carteira recheada e com reformados incautos. Em sentido descendente o eléctrico transporta apenas carteiristas como simples passageiros que voltam à base para granjear mais turistas fresquinhos. Os turistas apenas fazem o percurso ascendente, dado que uma vez que cheguem ao destino, dão pela falta da carteira e, sem dinheiro para o bilhete de regresso, são forçados a vir a pé.

Ora se considerarmos a improbabilidade da reencarnação, temos também que considerar a improbabilidade de eu voltar ao Mundo Terreno como português nos dias de hoje (isto tendo como certo que tal poder de decisão está do meu lado). Se a isso incluirmos a probabilidade combinada da minha alma se voltar a condenar com uma inscrição no Instituto Superior Técnico e se ainda adicionarmos eu terminar essa tão hercúlea tarefa, estaremos perante a probabilidade mais residual de todo o Universo. Tão improvável que poderá ocorrer apenas uma vez em toda a extensão temporal e confins remotos da História completa do Universo.


Essa singularidade tão excêntrica do Universo, ocorreu no dia 15 de Dezembro de 2011, segundo o calendário gregoriano. A repetir-se, só num daqueles pontos do Universo que, mesmo não se tendo contactado entre eles dada a grande distância que os separa, apresentam mesmo assim, propriedades físicas iguais. Porque aí, dado que a velocidade da informação está limitada à velocidade da luz e a sua troca (de informação) não é possível, não está ao meu alcance avisar o outro eu, para não voltar a cair na esparrela.

quarta-feira, outubro 26, 2011

Ode aos Bufarinheiros


Se, como vem escrito na literatura da especialidade, o tamanho da pila é proporcional ao tamanho dos sapatos, tal facto só faz aumentar o meu medo de ser violado por palhaços. Dado que na política só existem palhaços... Acho que dá para ver onde quero chegar com esta minha fobia profunda (literalmente).

Os políticos deviam ser mais directos e honestos uns com os outros. Seria um começo menos mau para serem honestos para com o restante povo. Se há coisa de que a Assembleia está à pinha, são políticos falsamente indignados uns com os outros, terminam a sessão e vão todos para os copos e enfardar leitão. É tudo uma encenação, no fim do dia comem todos do mesmo tacho e não deixam nada a mais ninguém. Que tamanha falta de honradez e insigne lacuna de deveres morais e de justiça. É um feudo sem honraria que se alimenta com o que é dos outros.

Para contrariar isto, proponho mais seriedade e intervenção na Assembleia. Uma intervenção directa e com acção, evitando assim a passividade das palavras que nunca nos levaram a bom porto. É tempo de mudança.

Para começar, abolia-se a burocracia e mordomias da linguagem política. Eram necessárias frases mais directas e objectiva. Por exemplo, um deputado sério da oposição, ao dirigir-se a um membro do governo, poderia fazê-lo da seguinte forma,
"Se tivesses cornos, nem as estas portas do hemiciclo eram suficientemente altas para conseguires passar".
Ou, mesmo,
"Estás aqui todo contente, mas a tua mulher anda por aí a servir-se com os marialvas e a levar em tudo o que é buraco".

Isto sim era política! Tínhamos a certeza que andavam a lutar pelo país e não esta coisa de fingirem estarem uns contra os outros e depois andam todos aos beijinhos e às pancadinhas nas costas uns dos outros. O povo teria confiança nesta gente.
Infelizmente, ao ver esta cambada de mansos que a única coisa que fazem é fingir que se defendem uns dos outros, sei logo que só o fazem para se safarem a eles e uns aos outros. De outra forma não se explica haver tanto quadrúpede sentado na assembleia parado a olhar para o boneco. Fazer até faz... Faz tempo para chegar a sua vez ou, quanto muito, que chegue a reforma como deputado, o que, a seu entender, já não é nada mau, nunca foi ambicioso.

Quando algum começasse a julgar-se importante e acima do povo, como o que acontece com todos os que lá estão neste momento, era justo ouvirem dos populares:
"Nasceste lá nas berças atrás de uma pedra, chegas aqui ainda a cheirar a esterco de porco e tens a mania que és gente. Sê humilde, seu merdas... "
O mesmo que ouvia estas palavras, levava também um valente banano no meio do focinho e caía feito caule no chão.

"Ai passaste pelo governo e agora estás na direcção de uma empresa pública? E ainda recebes reforma pelos 4 anos que andaste a mamar à conta dos outros? Então toma lá!" e era-lhe aplicada uma valente cabeçada nos dentes para o fazer cuspir um incisivo e meio.

O mesmo com as deputadas e mulheres autarcas. Era só uma começar a dizer estupidez ou ser apanhada em falta e vinha logo outra por trás para lhe dar um estalo tão grande que a mula ficava com um zumbido permanente num ouvido e nem tinha reacção para chorar, tal era o choque.

Por exemplo, fala-se muito das pensões vitalícias. Se houvesse uma política mais directa e honesta, alguém competente aparecia por detrás de um destes beneficiários do dinheiro dos contribuintes, puxava-lhe o ombro direito com a mão esquerda e com o punho direito empurrava-lhe um intenso murro nariz a dentro. Ouvia-se o estalar da cana do nariz a ecoar na Assembleia, o sangue espirrava pela camisa branca encomendada à medida e, enquanto o pensionista tentava equilibrar-se para não cair com as tonturas e estancava infrutuosamente a hemorragia que lhe escorre duma cara que ele teme já não ter no sítio, ouvia com rancôr palavras que lhe iam directamente à alma sem passar pelos ouvidos:
"Seu bandido... vai roubar a puta da tua mãe que te devia ter afogado num balde cheio de merda mal nasceste!"

Fosse esta a medida de coação a aplicar a todo o político/autarca que usa o estado para interesses que não o do próprio estado, e haveria uma grande falta de especialistas em rinoplastia tal era a sua demanda.

Político/autarca que se contradisse-se ou mentisse ao povo, era trazido ao Terreiro do Paço e levava com um barrote de madeira de 90 kg num ombro e um de 35 kg pelos cornos abaixo, depois ia a pé para casa com a omoplata fora do sítio e com os populares a darem-lhe pontapés no cu, qual BMW série 7, Audi A8 ou Mercedes 500.

Chamem-me bárbaro se quiserem, mas selvagens são os que lá estão, para nosso prejuízo. Estamos todos a pagar em exagero pelos seus chauvinismos.

Se fazer política fosse como sugeri que fosse, era uma questão de tempo até todos os problemas do país estarem resolvidos e vivermos todos em harmonia e prosperidade. Afinal de contas quem é que aguenta estar sempre a enfardar no focinho? Pelos vistos, só nós.

quinta-feira, abril 07, 2011

津波 垂直 - Tsunami Vertical

Dado que a minha vida é uma monótona pasmaceira, grande parte da acção e aventura, passa-se nos meus sonhos. Hoje, mais uma vez, não foi excepção.

Como os terramotos seguidos de tsunamis andam na moda, o meu subconsciente achou por bem que Portugal devia ter um, para não andar sempre na cauda do Mundo. Indonésia, Tailândia e Sri Lanka em 2004, Haiti em 2010 e o Japão em 2011. Cada vez o intervalo entre sismos é mais pequeno e é a vez de Portugal. Não merece a pena estar com burocracias que nos metem sempre nos últimos lugares como é costume. É meter já as mãos à obra sem mais delongas. Não conseguimos o pódio é certo, mas, dada a chamada "crise global", um quarto lugar já não é mau de todo. Aliás, até arrisco a dizer que os países exigem terramotos para poderem evoluir rapidamente. Ainda hoje o Japão teve outro de magnitude considerável. Sendo dos países mais abalados, não espanta que sejam também dos mais evoluídos e com melhor economia. Até faz sentido, quando as coisas não são agitadas, estagnam e quando estagnam apodrecem. Daí o estado do Estado Português. Parado estes anos todos, apodreceu. Vir o FMI ou o que seja, é como está a meter remédios em água estragada. Parece água boa mas continua estragada. Só lá vai com água nova e que esteja em constante movimento para preservar a sua qualidade.


Sonhei portanto que se tinha dado um grande terramoto e que estava tudo a preparar-se e à espera do tsunami. Cada um preparava-se como sabia e, como ninguém sabia como se preparar, fizeram o que sabiam fazer melhor. O que assisti, embora em sonhos, dava uma curiosa reportagem.

Das pessoas que me lembro que compareceram no sonho, sem dúvida a mais desenvolta foi a colega Priyá. Sentada no meio da estrada, desenhou uma circunferência a giz à sua volta e ficou ali impávida a beber um  Capri-Sonne enquanto aguardava a chegada do tsunami.
"Oi? Não fazes nada? Estás só à espera que o tsunami chegue e te leve?", perguntei eu preocupado com a continuação da sua existência.
"Não vês que isto não é um giz normal pah? É um giz com um meio quiral...! Tem permitividade e permeabilidade menores que zero (ε<0 e µ<0), são meios duplamente negativos! A onda chega aqui e, ao incidir no meio, deflecte para fora e passa-me à volta... devias saber estas coisas." disse ela rindo-se na minha cara... E sabia, se ao invés de estar a escrever isto, estivesse eu a escrever a dissertação. Agora também já não merecia a pena... o tsunami vinha lá de qualquer das formas. Deixei-a lá esperando que as suas relações constitutivas estivessem correctas e que toda a sua despreocupação com o maremoto não tenha sido em vão.

Fui para casa para tentar salvar os meus pertences e avistei o meu amigo Uel Mig (do americano Mig, Uel) desesperado por boleia para ir para a Costa da Caparica:
"Olha o Miguel... o que fazes aqui?", perguntei intrigado.
"Estou a ver se arranjo quem me leve à casa da Costa. Tenho lá o fato de bodyboard e a prancha."
"Mas para que queres tu isso agora?"
"É a onda da minha vida... tenho que a apanhar! Ou é agora ou não é nunca..."
Com este argumento peguei no Lancia e metemos-nos à estrada. Mesmo sem seguro no carro e a circular a um ritmo desoprimido, os males que daí adviessem, não teriam impacto... afinal vinha lá algo perto do fim do mundo. Até as brigadas de trânsito devem estar a laborar coisas mais interessantes que procurar multas.


Na viagem de regresso deparei-me com a minha colega de natação. De braços cruzados, perna direita em avanço de fase face à esquerda e a fitar o horizonte como quem espera impacientemente por algo, estava ela toda equipada como se de uma aula de natação se tratasse.
"Então menina Marta? Estás aqui...?"
"Então o quê? Estou à espera do tsunami."
"E não te preparas para o tsunami?"
"Eu preparar-me? Olha que lata... O tsunami é que se tem que preparar para mim, eu vou a costas! Mas já disse ao Paulo que a seguir não faço 2x200 estilos."
Ainda aguardei um bocado julgando que me aguentava se a acompanhasse a bruços mas depois ocorreu-me que quando a Marta nada costas, é tanto inalcançável como incansável. Se ela ia a costas por certo era para nadar durante muito tempo e em velocidade. Não podia esperar por ninguém pois isso implicaria boicotar a sua própria salvação. Achei por bem não interferir com a sua determinação, ao menos salvava-se ela.

Segui caminho, para tentar chegar a casa ainda a tempo de abrigar qualquer coisa. À porta do prédio, encontrei o meu avô João. O meu avô João, visita habitual nos meus sonhos, foi sem dúvida o mais sensato. Apareceu de fato e gravata e atalhou logo conversa sem que eu conseguisse sequer cumprimentá-lo:
"Se é para receber o tsunami, então é melhor comer como deve de ser. Não é de estômago vazio e em fraqueza que a gente se mete numa coisa destas... sabemos lá nós, quando teremos oportunidade de comer bem outra vez?"
Nem questionei a veracidade das afirmações do meu avô. Se ele o disse é porque é verdade. Voltei para o Lancia, desta vez acompanhado pelo meu avô, e fomos a um restaurante perto dos Inválidos do Comércio. O dono encaminhou-nos para uma mesa com vista para o mar no primeiro andar. Escolhemos os dois Bacalhau à Brás e já trazia a empregada as travessas, o companheiro da mesa ao lado pediu uma maçã assada com ovo a cavalo. Embora o tenha feito para se meter com a rapariga, não deixou de ter piada.


De volta a casa, dado que não tinha tempo de salvar mais nada, meti na mochila o que eu achava razoável para receber este tão nobre evento: GPS, PMR, máquina fotográfica, bolachas e sandes. É então que entra a minha mãe toda lançada quarto a dentro:
"Não há cá tsunami nenhum para ninguém enquanto este quarto não estiver arrumado!"

Formidável! Tanto esforço, preparação e tempo perdido para ficar tudo boicotado só porque eu tenho folhas desalinhadas em cima da secretária. Nem sei o que é pior: se o facto de toda a gente ter tido trabalho e preocupação para receber um tsunami e agora ficar tudo em águas de bacalhau, se nem um tsunami consegue contrariar a vontade apocalíptica da minha mãe. Tantos estudos para prevenir tsunamis e para estes terem pouco impacto nas povoações e afinal bastava perguntar à minha mãe se ela fazia o obséquio de impedir a catástrofe.

O tsunami até pode vir lá de mangas arregaçadas, mas se a minha mãe não quiser que ele aconteça, nada feito.

sexta-feira, abril 01, 2011

Não Matem os Sonhos (Somniums Matatum Est)

Esta semana tive um dos sonhos mais bonitos com que alguma vez sonhei em toda a minha vida.

Quando comecei a sonhar, ou pelo menos o que recordo como o início do sonho, encontrava-me à procura de algo leve para comer. Como sempre o faço pois só como coisas leves. Vagueava numa superfície comercial perto do Estádio da Luz sem destino aparente. Indeciso e sem ideias para escolher como minha opção, por ver os mesmos estabelecimentos de sempre. Quando a meus olhos, chega uma das mais belas visões de esperança e salvação. Sonhei que vislumbrei no horizonte (curto porque o Colombo não é assim tão grande) um restaurante "Coma todos os bitoques que conseguir e pague apenas 2.99€".

A solução de todos os problemas da Humanidade finalmente encontrada. Fome, guerra e a doença todas extintas com um só acontecimento. A Humanidade encontrou o caminho para um futuro magnífico e este caminho não tem trevas pelo caminho (dada a sensibilidade do assunto, achei por bem repetir a palavra "caminho" para que a mensagem não fosse mal interpretada pelo caminho). Todos os prémios Nobel entregues de uma só vez e a uma só entidade.

Apressei-me para a caixa e fui logo atendido por uma brasileira. Classe de funcionários habitual em todo o restaurante que não seja tasca ou absurdamente caro. Brasileira essa que, pela distância atlântica que separa duas línguas/dialectos tão semelhantes, teimou logo, e sem eu lhe ter feito mal algum, em não perceber o meu pedido. Mas que havia a enganar? Estava ali para comer bitoques até não ter mais acção muscular para continuar a ingerir. Se quisesse comer só salada ia a um arraial gay ou a casa dessa gente que agora tem a mania que é saudável mas que não tem problemas em estar 4 horas a apanhar sol, beber álcool até cair para o lado ou fumar 2 maços de tabaco por dia (não que conheça quem seja assim, é um mero aviso para ficarem já a saber que não os quero conhecer, por isso crio logo aqui antipatia e desprazer por eles).

A custo, lá me fiz explicar e esclarecer...

Batatinhas fritas caseiras e arroz do bom, iguarias que faziam parte do menu pedido mas que tive que recusar. Limitei-me a pedir abacaxi para "cortar" e assim conseguir enfardar mais carne. Uma técnica que tem dado resultados positivos em todos os "comida à descrição" onde já fui treinar. Para primeira ronda pedi logo um bitoque à Eusébio com hattrick, que é como quem diz, 3 bifes (3 bifes = 1 bife à Eusébio) com 3 ovos estrelados a cavalo (hattrick). Fi-lo não por gula, que até sou equilibrado e ponderado a comer, mas por receio que quando voltasse para repetir, não houvesse comida disponível e eu tivesse que esperar que a fizessem. Não consigo comer muito mais se tiver que parar a meio.

O facto de em certa altura a carne ter sido teimosa em se deixar morder, é algo totalmente incorrelacionável com o eu ter acordado a rominar a meia fronha de almofada que tinha dentro da boca. Almofada que já contava com um avançado estado de "babado".

Ainda consegui incorporar o som do despertador no sonho e apareceu como o som da caixa registadora. Até fazia sentido a caixa registadora não se calar, com uma casa deste gabarito, pareceu-me bastante óbvio aquela porra não se calar. Os pedidos deviam ser mais que muitos e a facturação não tinha descanso. Infelizmente sucumbi ao ataque blitzkrieg da minha mãe que irrompeu impetuosamente pelo meu quarto a dentro, como se a polícia estivesse a bater à porta de casa à minha procura por tráfico de droga ou homicídio de uma figura pública, gritando um indignado:


- Tu sabes que horas são?


O que eu sabia é que ainda há segundos estava a comer descansado, sem chatear ninguém, e naquele instante, para além de sentir um vazio no estômago, estavam para ali a gritar comigo. A alegria extrema do sonho foi substituída pela desilusão e revolta. Era bom demais para ser verdade, é certo, mas ao menos podiam deixar-me viver o sonho e sentir o momento até ao fim uma única vez.

Das poucas coisas que me metem fora de mim são precisamente acordarem-me bruscamente ou interromperem-me uma refeição. Se porventura existe uma altura em que é sensato e correcto um filho sovar a própria mãe, não deve andar muito longe disto.  Sou filho único e senti logo ali, que não sou o filho favorito da minha mãe.