quinta-feira, abril 07, 2011

津波 垂直 - Tsunami Vertical

Dado que a minha vida é uma monótona pasmaceira, grande parte da acção e aventura, passa-se nos meus sonhos. Hoje, mais uma vez, não foi excepção.

Como os terramotos seguidos de tsunamis andam na moda, o meu subconsciente achou por bem que Portugal devia ter um, para não andar sempre na cauda do Mundo. Indonésia, Tailândia e Sri Lanka em 2004, Haiti em 2010 e o Japão em 2011. Cada vez o intervalo entre sismos é mais pequeno e é a vez de Portugal. Não merece a pena estar com burocracias que nos metem sempre nos últimos lugares como é costume. É meter já as mãos à obra sem mais delongas. Não conseguimos o pódio é certo, mas, dada a chamada "crise global", um quarto lugar já não é mau de todo. Aliás, até arrisco a dizer que os países exigem terramotos para poderem evoluir rapidamente. Ainda hoje o Japão teve outro de magnitude considerável. Sendo dos países mais abalados, não espanta que sejam também dos mais evoluídos e com melhor economia. Até faz sentido, quando as coisas não são agitadas, estagnam e quando estagnam apodrecem. Daí o estado do Estado Português. Parado estes anos todos, apodreceu. Vir o FMI ou o que seja, é como está a meter remédios em água estragada. Parece água boa mas continua estragada. Só lá vai com água nova e que esteja em constante movimento para preservar a sua qualidade.


Sonhei portanto que se tinha dado um grande terramoto e que estava tudo a preparar-se e à espera do tsunami. Cada um preparava-se como sabia e, como ninguém sabia como se preparar, fizeram o que sabiam fazer melhor. O que assisti, embora em sonhos, dava uma curiosa reportagem.

Das pessoas que me lembro que compareceram no sonho, sem dúvida a mais desenvolta foi a colega Priyá. Sentada no meio da estrada, desenhou uma circunferência a giz à sua volta e ficou ali impávida a beber um  Capri-Sonne enquanto aguardava a chegada do tsunami.
"Oi? Não fazes nada? Estás só à espera que o tsunami chegue e te leve?", perguntei eu preocupado com a continuação da sua existência.
"Não vês que isto não é um giz normal pah? É um giz com um meio quiral...! Tem permitividade e permeabilidade menores que zero (ε<0 e µ<0), são meios duplamente negativos! A onda chega aqui e, ao incidir no meio, deflecte para fora e passa-me à volta... devias saber estas coisas." disse ela rindo-se na minha cara... E sabia, se ao invés de estar a escrever isto, estivesse eu a escrever a dissertação. Agora também já não merecia a pena... o tsunami vinha lá de qualquer das formas. Deixei-a lá esperando que as suas relações constitutivas estivessem correctas e que toda a sua despreocupação com o maremoto não tenha sido em vão.

Fui para casa para tentar salvar os meus pertences e avistei o meu amigo Uel Mig (do americano Mig, Uel) desesperado por boleia para ir para a Costa da Caparica:
"Olha o Miguel... o que fazes aqui?", perguntei intrigado.
"Estou a ver se arranjo quem me leve à casa da Costa. Tenho lá o fato de bodyboard e a prancha."
"Mas para que queres tu isso agora?"
"É a onda da minha vida... tenho que a apanhar! Ou é agora ou não é nunca..."
Com este argumento peguei no Lancia e metemos-nos à estrada. Mesmo sem seguro no carro e a circular a um ritmo desoprimido, os males que daí adviessem, não teriam impacto... afinal vinha lá algo perto do fim do mundo. Até as brigadas de trânsito devem estar a laborar coisas mais interessantes que procurar multas.


Na viagem de regresso deparei-me com a minha colega de natação. De braços cruzados, perna direita em avanço de fase face à esquerda e a fitar o horizonte como quem espera impacientemente por algo, estava ela toda equipada como se de uma aula de natação se tratasse.
"Então menina Marta? Estás aqui...?"
"Então o quê? Estou à espera do tsunami."
"E não te preparas para o tsunami?"
"Eu preparar-me? Olha que lata... O tsunami é que se tem que preparar para mim, eu vou a costas! Mas já disse ao Paulo que a seguir não faço 2x200 estilos."
Ainda aguardei um bocado julgando que me aguentava se a acompanhasse a bruços mas depois ocorreu-me que quando a Marta nada costas, é tanto inalcançável como incansável. Se ela ia a costas por certo era para nadar durante muito tempo e em velocidade. Não podia esperar por ninguém pois isso implicaria boicotar a sua própria salvação. Achei por bem não interferir com a sua determinação, ao menos salvava-se ela.

Segui caminho, para tentar chegar a casa ainda a tempo de abrigar qualquer coisa. À porta do prédio, encontrei o meu avô João. O meu avô João, visita habitual nos meus sonhos, foi sem dúvida o mais sensato. Apareceu de fato e gravata e atalhou logo conversa sem que eu conseguisse sequer cumprimentá-lo:
"Se é para receber o tsunami, então é melhor comer como deve de ser. Não é de estômago vazio e em fraqueza que a gente se mete numa coisa destas... sabemos lá nós, quando teremos oportunidade de comer bem outra vez?"
Nem questionei a veracidade das afirmações do meu avô. Se ele o disse é porque é verdade. Voltei para o Lancia, desta vez acompanhado pelo meu avô, e fomos a um restaurante perto dos Inválidos do Comércio. O dono encaminhou-nos para uma mesa com vista para o mar no primeiro andar. Escolhemos os dois Bacalhau à Brás e já trazia a empregada as travessas, o companheiro da mesa ao lado pediu uma maçã assada com ovo a cavalo. Embora o tenha feito para se meter com a rapariga, não deixou de ter piada.


De volta a casa, dado que não tinha tempo de salvar mais nada, meti na mochila o que eu achava razoável para receber este tão nobre evento: GPS, PMR, máquina fotográfica, bolachas e sandes. É então que entra a minha mãe toda lançada quarto a dentro:
"Não há cá tsunami nenhum para ninguém enquanto este quarto não estiver arrumado!"

Formidável! Tanto esforço, preparação e tempo perdido para ficar tudo boicotado só porque eu tenho folhas desalinhadas em cima da secretária. Nem sei o que é pior: se o facto de toda a gente ter tido trabalho e preocupação para receber um tsunami e agora ficar tudo em águas de bacalhau, se nem um tsunami consegue contrariar a vontade apocalíptica da minha mãe. Tantos estudos para prevenir tsunamis e para estes terem pouco impacto nas povoações e afinal bastava perguntar à minha mãe se ela fazia o obséquio de impedir a catástrofe.

O tsunami até pode vir lá de mangas arregaçadas, mas se a minha mãe não quiser que ele aconteça, nada feito.

sexta-feira, abril 01, 2011

Não Matem os Sonhos (Somniums Matatum Est)

Esta semana tive um dos sonhos mais bonitos com que alguma vez sonhei em toda a minha vida.

Quando comecei a sonhar, ou pelo menos o que recordo como o início do sonho, encontrava-me à procura de algo leve para comer. Como sempre o faço pois só como coisas leves. Vagueava numa superfície comercial perto do Estádio da Luz sem destino aparente. Indeciso e sem ideias para escolher como minha opção, por ver os mesmos estabelecimentos de sempre. Quando a meus olhos, chega uma das mais belas visões de esperança e salvação. Sonhei que vislumbrei no horizonte (curto porque o Colombo não é assim tão grande) um restaurante "Coma todos os bitoques que conseguir e pague apenas 2.99€".

A solução de todos os problemas da Humanidade finalmente encontrada. Fome, guerra e a doença todas extintas com um só acontecimento. A Humanidade encontrou o caminho para um futuro magnífico e este caminho não tem trevas pelo caminho (dada a sensibilidade do assunto, achei por bem repetir a palavra "caminho" para que a mensagem não fosse mal interpretada pelo caminho). Todos os prémios Nobel entregues de uma só vez e a uma só entidade.

Apressei-me para a caixa e fui logo atendido por uma brasileira. Classe de funcionários habitual em todo o restaurante que não seja tasca ou absurdamente caro. Brasileira essa que, pela distância atlântica que separa duas línguas/dialectos tão semelhantes, teimou logo, e sem eu lhe ter feito mal algum, em não perceber o meu pedido. Mas que havia a enganar? Estava ali para comer bitoques até não ter mais acção muscular para continuar a ingerir. Se quisesse comer só salada ia a um arraial gay ou a casa dessa gente que agora tem a mania que é saudável mas que não tem problemas em estar 4 horas a apanhar sol, beber álcool até cair para o lado ou fumar 2 maços de tabaco por dia (não que conheça quem seja assim, é um mero aviso para ficarem já a saber que não os quero conhecer, por isso crio logo aqui antipatia e desprazer por eles).

A custo, lá me fiz explicar e esclarecer...

Batatinhas fritas caseiras e arroz do bom, iguarias que faziam parte do menu pedido mas que tive que recusar. Limitei-me a pedir abacaxi para "cortar" e assim conseguir enfardar mais carne. Uma técnica que tem dado resultados positivos em todos os "comida à descrição" onde já fui treinar. Para primeira ronda pedi logo um bitoque à Eusébio com hattrick, que é como quem diz, 3 bifes (3 bifes = 1 bife à Eusébio) com 3 ovos estrelados a cavalo (hattrick). Fi-lo não por gula, que até sou equilibrado e ponderado a comer, mas por receio que quando voltasse para repetir, não houvesse comida disponível e eu tivesse que esperar que a fizessem. Não consigo comer muito mais se tiver que parar a meio.

O facto de em certa altura a carne ter sido teimosa em se deixar morder, é algo totalmente incorrelacionável com o eu ter acordado a rominar a meia fronha de almofada que tinha dentro da boca. Almofada que já contava com um avançado estado de "babado".

Ainda consegui incorporar o som do despertador no sonho e apareceu como o som da caixa registadora. Até fazia sentido a caixa registadora não se calar, com uma casa deste gabarito, pareceu-me bastante óbvio aquela porra não se calar. Os pedidos deviam ser mais que muitos e a facturação não tinha descanso. Infelizmente sucumbi ao ataque blitzkrieg da minha mãe que irrompeu impetuosamente pelo meu quarto a dentro, como se a polícia estivesse a bater à porta de casa à minha procura por tráfico de droga ou homicídio de uma figura pública, gritando um indignado:


- Tu sabes que horas são?


O que eu sabia é que ainda há segundos estava a comer descansado, sem chatear ninguém, e naquele instante, para além de sentir um vazio no estômago, estavam para ali a gritar comigo. A alegria extrema do sonho foi substituída pela desilusão e revolta. Era bom demais para ser verdade, é certo, mas ao menos podiam deixar-me viver o sonho e sentir o momento até ao fim uma única vez.

Das poucas coisas que me metem fora de mim são precisamente acordarem-me bruscamente ou interromperem-me uma refeição. Se porventura existe uma altura em que é sensato e correcto um filho sovar a própria mãe, não deve andar muito longe disto.  Sou filho único e senti logo ali, que não sou o filho favorito da minha mãe.