sábado, dezembro 31, 2005

Monstro - Um Ensaio

Há coisa de umas duas semanas, pela primeira vez em toda a minha vida, senti o que é o verdadeiro medo.

Como é possível algo ou alguém (não consigo distinguir qual dos dois pronomes deverei usar) meter-me medo? Nem eu sabia até ter passado por aquela experiência aterradora...


Tentarei explicar o sucedido de uma forma que não me lembre, muito intensamente, o que se passou, para não ter que recordar tudo outra vez. Para que essas memórias não voltem a estar presentes no meu pensamento nem no meu consciente.

Estava eu sozinho numa sala a estudar (a qual vou ter omitir para não se tornar em mais um canil municipal como ocorreu com outras) quando me começo a sentir observado. Quando julgava que era resultado da música que estava a ouvir naquele momento, heis que se abre a porta e me deparo com uma criatura medonha que ficou especada a olhar para mim, de um modo pálido, frio e implacável.

Fiquei de tal forma imóvel que o ponteiro dos minutos de um relógio tinham mais movimento que todo o meu eu. Quando me decidi a fitá-la, em forma de teste para ver qual a sua reacção, ela desviou lentamente o olhar e começou a espreitar-me por debaixo das mesas como se uma busca por algo perdido no chão se tratasse. Mas sempre a olhar-me com obliquidade, fixando-me de soslaio.


Foi então que me enchi de coragem para tomar atitudes mais dramáticas. Na altura, com a aflicção, pareceu-me perfeitamente razoável pegar no apontador de madeira e atravessá-lo várias vezes, trespassando o assombro de um lado ao outro continuamente. Era o que tinha que ser feito, era o que o animalesco prodígio da cruel Natureza merecia. Tinha que sofrer, tinha que pagar pelos seus actos pecadores e profanos. Era a sua penitência e não o seu castigo.

O matreiro esgueirou-se sorrateiramente, de dorso marreco, com os braços formando um ângulo recto com as pernas e rodando lentamente sobre ele próprio, evadiu-se para fora da sala.

Deixou no entanto a porta aberta em jeito de provocação. Gelei sem saber o que fazer. Seria uma armadilha ardilosa ou simples fruto do acaso de uma fuga imprevista?

O pânico lá me levantou para fechar a porta, na esperança que tudo isto acabasse sem mais inquietações.

Mal as minhas duas bimbas tinham entrado em contacto, paralelamente, com o assento da cadeira já tinha voltado a inquietante sensação de me estar a sentir observado. Sabia que estava ali alguém por perto com intenções impróprias para comigo, intenções ditas indecorosas na nossa sociedade. Olhei para a janela que dava para o interior do edifício e por entre as estrias do estore lá estava o monstro imóvel e de olhos bem abertos a controlar-me. Arfei de ódio e terror extremos. O que mais me arrepiava era a besta não olhar directamente para mim, era o seu estrábico desvio angular que me induzia calafrios.

Quando se apercebeu que já tinha dado nas vistas e que a sua presença havia sido denotada, apressou-se a entrar na sala repetindo o ritual pavoroso.

Desta vez atreveu-se a aproximar-se mais da minha individualidade. Felizmente entraram pessoas na sala nesse mesmo instante: "ah, gente!" gritei para comigo. E como um vampiro, sequioso e ávido por sangue fresco, que vê a cruz, emitiu um guincho insonoro e fugiu galinaciando vigorosamente os braços com os cotovelos dobrados na sua possível totalidade física.

Desta vez safei-me... forças do destino zelaram por mim.

sábado, dezembro 24, 2005

Felice Natale!

Caro(a) amigo/colega/conhecido/estranho (1):
_______________________________ (2)


É certo que este ano posso não ter estado muito tempo com todos vós, ou que não vos tenha visto as vezes suficientes ou mesmo que não vos tenha chegado a ver. Poderá haver vários motivos para tal, um deles, certamente, é ter querido que tal acontecesse. Outras razões poderão ser a distância física que nos separa ou a falta de tempo, mas é muito verosímil que o seu caso se encontre na primeira hipótese.

Nesta altura muitos já devem ter uma ligeira noção de como me encontro e outros, dentro destes, dizem que se deve ao facto de eu ter cada vez menos prendas com o decorrer dos anos, a estes últimos enfio-lhes um dedo na cavidade ocular para não serem espertinhos nem pretensiosos. Há ainda uma pequena elite que tem a certeza que tudo isto é fruto da fúria de, mais uma vez, não receber uma pista de carros SCX com 20 metros de tamanho, que estava numa grande superfície comercial. Ainda experimentei a maravilha um bocado... virei-me com toda a simpatia para um miúdo e disse-lhe "sai daí estúpido..." enquanto lhe pregava um caldo na moleirinha. Depois cedi o meu comando de boa vontade a outro enquanto o primeiro vinha na minha direcção a choramingar e, apontando para mim, dizia à mãe: "foi aquele...". Era ver os pais vidrados a olhar para a pista e os "otários" dos miúdos a quererem bonecos do Nody e do Harry Potter. A mim dizem-me que não porque nem sou uma criança nem sou pai. Haviam de levar todos, desde os putos a quem diz destas baboseiras, sopa de grão e vinagre como prenda de Natal que é por causa das tosses.

Natal... o Natal! Esta época é uma contradição a tudo aquilo que se deseja nas muitas carradas (vêm às golfadas impetuosas) de mensagens genéricas de telemóvel e emails de linha branca, ao contrário deste post personalizável, que se recebem nesta altura. Muitos deles vêm de gente que só nos "comunica" nesta época, não sabemos nada deles durante todo o ano, mesmo que tentemos entrar em contacto com eles. Vai "beijinhos e abraços" para quase toda a lista de contactos, incluindo o mecânico, o homem que nos vendeu o carro há 3 anos, o "estafeta" da mercearia, o homem que arranja os estores e, entre outros, duas ou três senhoras de idade que, infelizmente, morreram no Verão passado.

Por mera sorte (ou por simples azar meu), ninguém recebeu o email que mandei no Natal de há uns anos atrás, era só alterar a data, que ninguém notava nada.

Também temos a troca de prendas... tudo a gastar dinheiro nos centros comerciais (que passam ininterruptamente música de Natal em versão Orbital/hidroginástica e que a cada 24 minutos se repete tudo de início) e eu próprio estou incluído neste grupo.
Para além das prendas habituais que se dão por obséquio ou das que se dão com gosto, há que manter (mais no caso dos meus pais) um montinho de prendas de custo variável, para todos os "sem-nome" que não aparecem todos os anos (ninguém sabe deles durante o ano, mais uma vez) e que decidem surgir do nada. Por fim, e analisando toda esta coisa muito superficialmente, o delicado processo de reencaminhamento de prendas, tendo o cuidado de não haver qualquer tipo de ligação entre os novos "prendados" e quem ofereceu inicialmente. Mesmo assim já cá apareceu um bibelot da Feira da Luz, que já tinha sido entregue a alguém um ano antes. Houve alguma imprudência ou então são novatos. Os bombons da madama que está sempre com desejos são o exlibris das prendas reencaminháveis, com um enorme factor de aceitação sem desconfiança de que já tinham sido oferecidos ("trocados") várias vezes anteriormente, não é raro serem guardados de um ano para o outro.

Lembro-me quando era mais pequeno e me davam roupa: "roupa? não quero roupa!" e estava certo... nu posso andar sempre e em qualquer lugar, os brinquedos é que fazem falta. O Natal é a festa megalómana das crianças. Recebem muitas prendas mas querem o mínimo de interacção com os avós, primos, tios, amigos dos pais, pais dos amigos, etc. porque, aos olhos delas, são uns "empecilhos" meio chatos.

Neste momento inclino-me bastante sobre os ideais de um dos meus avós: o Natal é o cabrito e o bacalhau. Está o ano todo a pensar no assunto e em Outubro começa logo a perguntar se o cabrito já está comprado e avisa que o cabrito pode ser guardado no congelador dele não vá alguém levar por engano.
Isso da Família, Paz e Amor já não são bem uns princípios que a Humanidade goste de seguir, mas fica muito bem falar nelas.

Outra coisa que me faz confusão é como é que há gente que come broas castelares de livre vontade. Só me chegam à boca (salvo seja) quando vou a casa de alguém e sou obrigado a fazê-lo porque pensam que digo que "não gosto disso" porque sou tímido, envergonhado e, acima de tudo, bem educado. Por ter tão boas qualidades não só tenho que comer uma de castigo, como ainda tenho que enfardar mais quatro para a viagem. As convulsões estomacais são um claro sinal de que estou a gostar.

Para concluir este post salobro, peço que apresentem o vosso preenchimento pessoal ao post, nos comentários, para eu sortear, entre os candidatos, um pacote de amêndoas com a mensagem "Boa Páscoa 1998" que encontrei em casa do meu avô mais conservador. Tem tendência a guardar tudo porque pode "fazer falta" um dia. É preciso um pacote de amêndoas de 1998 para safar uma situação aonde é que se consegue arranjá-las se não as tivermos em casa bem guardadas? Pois é, é muito bonito criticar mas depois a verdade acaba por vir ao de cima na forma mais implacável.

Eu pessoalmente confesso que tenho algum receio de as comer por isso prefiro dá-las a que se estraguem sem necessidade. É uma pena...

Feliz Natal para todos até mesmo para os que agoiram contra mim, o que inclui muitos conhecidos e, na sua maioria, professores. Mas não vou responder na mesma moeda, desejo-lhes sim, a fortuna e vida longa. Evidentemente que nem tudo são rosas porque até estas têm espinhos. A tragédia, contrariamente ao que se diz por aí e que muita senhora se lamenta, é algo totalmente aleatório (embora Deus Nosso Senhor não durma). Pode-se dar sempre o infortúnio... ao ver que os números das bolas do Euromilhões coincidem com os números do seu boletim de jogo, o coração pode não resistir e um enfarte é coisa para deixar uma pessoa entrevada numa cama para o resto da vida, que como já se sabe era douradora.

Muito ficou por falar sobre o actual estado do Natal... fica para a próxima. Apreciem a música (a tender para uma versão "marcha-fúnebre").

(1) - risque as opções incorrectas e deixe a ligação que pensa que mantém com o autor, por riscar. Na eventualidade de não ser o mesmo que o autor sinta por si, a sua entrada será anulada.
(2) - escreva o seu primeiro e último nome em maiúsculas e a caneta de tinta preta caso contrário o seu processo poderá ser diferido ou cancelado.

domingo, dezembro 04, 2005

Campione Sonhatore

Vou escrever sobre algo antes que esteja fora do seu tempo e porque já se sabe que a memória é volátil (hoje ter comido de rajada uma caixa de 12 ouriços da Ericeira (na verdade comi uma caixa de 8, mas assim não é um feito tão grande, qualquer um consegue) não ajuda em nada).

A prova de natação em que participei no Domingo passado? Ganhei!

Agora estou indeciso como hei de amplificar a coisa? Irei relatá-la como uma prova hercúlea ou fui para a vitória e outra coisa não seria de esperar?
Vou tentar misturar ambas, cabe no entanto ao leitor discernir sobre qual das duas opostas variantes estarei mais inclinado a cada momento.

Era uma prova de resistência, 30 minutos a nadar e fiquei em primeiro lugar (do nível II, mas são promenores técnicos irrelevantes). Agora, de seguida, irei ser medalhado com o ouro nos jogos olímpicos e depois, já que estou a sonhar, vou ser campeão de Formula 1 e arrebatar o título mundial de rallies com um Lancia Delta ECV2 (quem não sabe qual é, basta perguntar-me ou investigar, uma pista: os que existem estão em garagens árabes), tudo isto no mesmo ano.


Não escrevi nada no próprio dia do triunfo porque tinha estado a tarde toda a acabrunhar fechado numa sala de estudo e estava meio irritadiço. Felizmente para serenar a tensão, quando voltei a casa, estava um "chicvs espertvs", que se for mesmo esperto não incorrerá no mesmo erro outra vez (pelo menos nunca mais o vi lá por perto), com o carro estacionado mesmo em frente ao portão da minha garagem. Para ajudar à minha manobra, que já era apertada (salvo seja), se fosse mesmo um estacionamento, estaria a ocupar dois lugares de atravessado que estava. Após ter tangenciado dois carros, com alguma ginástica de caixa e volante (relembro que poderia ter os braços meio cansados na altura da ocorrência e que direcção leve não é um atributo do meu veículo automóvel), para conseguir passar e enquanto o portão se abria automaticamente, fui sorrateiramente e, sem querer, como é costume nestas coisas, entortei-lhe os limpa pára-brisas. O desagradável é que do lado do condutor aquela geringonça manhosa, para além de ter ficado a apontar para ar, ficou "meio" solta e em equilíbrio para a força de impulsão causada pela haste, igualar a força gravítica provocada pela lei da atracção entre corpos, que é como quem diz em linguagem popular, "para aquela merda não cair". Vai-se lá compreender que mistério ocorreu. (Ar de Toninho) "Quando lá cheguei já estava assim, só estava a ver como estava, realmente vi três "drógados" a correr para os lados da Musgueira, e estranhei, até fui a correr atrás deles com pedras e tudo, mas eles eram três e portantos corriam mais."


Bom... seguindo para a prova de natação que é o durame deste post.

Durante o aquecimento já se denotava uma certa pressão nos concorrentes, provavelmente por não encontrarem motivos para estarem ali, quase em pelota com um frio considerável na rua (segundo o boletim meteorológico porque pessoalmente não ligo a essas coisas), num Domingo às 9 da manhã, ou por não terem ido à missa (e não receberem aquelas bolachinhas em troca do "nosso segredinho...", cortesia do padre da igreja lá do bairro) ou talvez porque se esqueceram de um tacho com carne guisada com esparguete ao lume.

Estava lá uma mocita, chamemos-lhe Irene, um nadinha perturbada com a coisa, logo no aquecimento, pimba... 50 metros mariposa com a testa fora de água que até estalou. Toda a gente sabe que mariposa é do melhor que há para aquecer, não é nada violento nem cansa, longe disso. Tive que parar porque me estava a dar algo parecido a vergonha alheia misturado com gargalhadas incontroláveis, o que dificultava bastante a respiração dentro de água.
A Cassandra (nome fictício como de costume, só o facto de eu fazer referências a esta figura da mitologia grega anda a enlear muita gente) a ter ido e dava uma tareia à maneira antiga à Irene.

No começo da prova, talvez graças ao meu aspecto idêntico ao de um dos mais temíveis vilões de sempre, o Skeletor, inimigo do He-Man, fui nomeado para ir à frente na minha pista. Ao que parece inquietou bastante um moço, o Sandro Emanuel (nome que acho que era o verdadeiro ao julgar pelas suas feições), que estava na minha pista:
- Tu no ensaio nadaste quanto?
- Não tive nenhum ensaio, ou às tantas não fui.
- Mas nadas mais ou menos quanto?
- Não tenho noção... sei lá, uns 1000 ou 1200 metros.
- É porque senão ia à frente e escusava de te ultrapassar já...
- Mô amigo... Faça o obséquio de seguir à minha frente!

Fiz 1510 metros europeus (se fosse em piscina chinesa ou no sistema métrico chinês teria certamente ultrapassado os 20 Km) e logo nos primeiros 25 metros já estava à frente dele. No decorrer dos 30 minutos dei-lhe corda (gíria automobilística) de pelo menos 350metros (passei por ele três vezes). Assim que acabou, nunca mais o vi...

Repare-se que estes 10 metros extra para lá dos 1500, foi mais para a média dar menos de 1 minuto por cada 50 metros e o suficiente para ficar à frente do Davi Dê, que se desculpa de ter tido ainda mais atletas de fim de semana (soa bem) a "comer sabão" (expressão de jargão do mundo do desporto automóvel) na pista dele que eu na minha. Eu só não passei por baixo de um não fosse o cabrão ser vingativo (vingança, um dos sete pecados mortais que eu abomino e que jamais, como já se reparou neste mesmo post, irei cometer, juntamente com a preguiça, a gula, a ira e mais um bocado de todos os outros (que por motivos técnicos não poderei aplicar-me mais). Acho que vou na "Highway to Hell") ou não fosse ele gostar de me ver as costas comigo em pleno esforço físico, nunca fiando, preferi não facilitar.


Estava lá um jovem de ar determinado muito concentrado que usava um daqueles fatos de corpo inteiro, feitos em bigode de foca e com umas aplicações em chato de colhão de baleia, para deslizar melhor na água. Gostava de saber quanto é que ele nadou (nadou certamente menos do que eu, outro resultado estará obviamente fora de hipótese), pergunta que quero acreditar que foi a mesma que ocorreu ao Davi Dê quando desabafou: "Curtia ver o melhor homem".


Na prova dos 15 minutos, numa das pistas estavam uns moços com uma largada semelhante às míticas partidas de Formula 1 na sua era dourada. Muito contacto físico, enorme confusão sem se compreender bem quem ia na frente, muita água pelo ar (em vez de fumo, ou peças, ou mesmo um motor que acabe por varrer da bancada uma quantidade de espectadores suficiente para ser considerada uma tragédia de proporções inigualáveis). Só mais tarde constatei que estava errado e que, afinal, se tratava de natação sincronizada. Muito bonito de se ver diga-se, não só por nadarem de mãos fechadas contra a cara uns dos outros, mas pela coreografia em si que estava muito bem estudada. Ora era formação em delta, ora em T, ora era em diagonal, ou o difícilimo estilo abstracto. O importante era irem todos ao molho num grupo bastante compacto, mesmo que os da pista ao lado já tivessem nadado o dobro, e ganhar vantagem nas viragens, indo de cabeça contra os que vinham um pouco mais atrás, e aplicar com melhor eficácia uma braçada de mariposa na sua variante "nós dos dedos no focinho do inimigo". Engraçado é que a competição estava confinada aos últimos lugares. Todos sem excepção, se acusaram mutuamente pelos seus maus resultados por terem "à frente um gajo muita lento que não me deixava ultrapassar e que me empurrou por uma ribanceira abaixo e eu caí e aleijei-me mas continuei a correr porque foi para isso que tive a trénar (...)".