terça-feira, setembro 19, 2006

Sacrificiu di Pixe

Fui à pesca.

Já se sabe como são estas coisas de ir para a pesca. Mas, para quem não tem ideia como é um dia normal de pesca, vou deixar aqui o breve relato de como tudo se passou.

E digo normal no sentido de "não-homossexual", que é como quem diz, ir para Belém às dez da manhã num Domingo de Sol ameno.

Éramos vinte homens e fizemo-nos ao mar, a partir do Cabo da Roca, às duas da manhã. A forte chuvada que se fazia sentir, já permitia adivinhar que nem tudo poderia correr bem, como seria desejável. A traineira, Virgem Santíssima Dos Milagres, tornava a concentração necessária para a pesca (concentração para se pescar apenas o peixe graúdo e não apenas coisa miúda, um puro maxú pescador tem ao seu alcance tal faculdade para pescar o peixe pretendido, bastando concentrar-se a olhar para a bóia. Consegue discernir o tamanho do peixe e escolhê-lo apenas com o pensamento.) algo complicada devido às violentas oscilações inerentes ao seu pequeno tamanho em tão agitado mar.

Achámos por bem cada um meter um cinto de chumbo à cintura para estabilizar a embarcação. Este procedimento é em tudo idêntico ao daqueles franceses, o Thierry Beille e a Corinne Gaspar a bordo do trimeran Intermezzo, como só meteram um tripulante com cinto, quem o tinha, tinha que estar atado ao centro da embarcação. Isto para evitar que ele andasse solto de um lado para o outro, seria pior a emenda que o soneto (nunca percebi esta expressão "pior a emenda que o soneto", estou aberto a explicações). De outro modo não compreendo a necessidade de atar as mãos a um homem e meter-lhe chumbo à volta da cintura. Os sinais de violência física, não o são. Trata-se apenas de pequenas porradinhas técnicas para homogeneizar a irregular distribuição mássica do André Le Floc'h. Estes franceses só comem porcarias, ficam anafados e depois queixam-se quando é preciso fazer um insignificante esforço físico.

Como, apesar dos esforços, o dono do trimeran não ficou calibrado, o veleiro acabou por se virar.

Continuando...

Com o barco estabilizado, há que pagar ao Deus dos Mares para que Este abençoe a nossa pesca. Não é um deus qualquer, é um deus à antiga, que exige sacrifícios. Por isso mesmo um dos tripulantes da traineira, embora desconhecesse a sua finalidade, não era mais que uma oferenda ao deus Aphyosemion, um deus cuja era de hegemonia foi o Cetáceo.

Degolámos o convidado de menos confiança, alguém capaz de ver um porco valente a ser assado num espeto e optar por comer um hambúrguer, por mero exemplo. Seguiram-se as rezas deste ritual:

"Ah pêxe dum queabrão, estais fedidos filha da putha!" Disse o sacerdote Paulinho enquanto olhava para o mar com um sorriso vidrado de gozo e satisfação.

E atirámos a oferenda ao altar, o mar, como se de engodo para peixe se tratasse.

Apenas sobraram as orelhas, que as havíamos guardado como isco para serem colocadas no anzol posteriormente.

"Agora com o ritual concluído é só apanhar peixe", pensámos.

Ao que parece a oferenda não foi do agrado de Aphyosemion. Sentiu-se bastante lesado e enrolado com esta troca, deste sacrifício em particular por peixe, e foi a partir deste momento que o divino castigo começou...

Dois acabaram-se ao mesmo tempo. Um cuja mulher tinha dado à luz gémeos mulatos, quando ambos os pais são brancos a ponto de se lhes verem as veias e artérias na cara e nos membros, e outro cuja vizinha tem um miúdo que está a ficar parecido com ele, vizinha essa que está casada com o padeiro. Despediram-se do resto da tripulação, foram comprar tabaco e nunca mais voltaram ao barco (estranho é que nenhum dos rapazes fumava).

Um outro meteu a cabeça dentro da água do mar a ver se via algum cardume de tamboril (tinha uma visão muito apurada) e acabou colhido por um espadarte que lhe confundiu a cabeça com um melão, e todos nós sabemos que o espadarte é doido por um bom melão.

O seguinte ainda tentou agarrar o anterior pela cintura para o salvar, mas levou um chuto à Kikin Fonseca no "assunto", perdeu os sentidos e também caiu borda fora. Antes extinguir-se no oceano devorado por uma fera do mar a ser agarrado pelas ancas por outro homem.

Outros quatro lançaram-se à água para apanhar um búfalo marinho (como qualquer homem minimamente homem e que se diga homem sabe, quando alguém se atira ao mar para apanhar um peixe à mão, não o tem que dividir pelos restantes membros da embarcação, pode ficar com ele todo ou repartir por quem o seguiu). Para não estarem armados em finos com esta técnica de "não-partilha", mudámos a rota e eles lá acabaram por desistir de dar aos braços e entregaram-se ao infortúnio da vastidão marítima.

Sete lançaram-se, mais uma vez, em busca do peixe para "não-partilha" e tiveram um fim curioso. Então não é que uma baleia azul os confundiu com bóias do ZooMarine de Oliveira de Azeméis, onde tinha estado encarcerada perto de vinte anos de forma ilegal? A marota, no engodo de receber uns amendoins lançados pelas crianças para a água, tal como lá no ZooMarine de Oliveira de Azeméis (até nisto se vê a crueldade destes parques aquáticos... toda a gente sabe que quem come amendoins é a foca, não é a baleia... cambada de bárbaros) lançou-se a toda a velocidade, nadando para a superfície como se de uma prova olímpica se tratasse. Abanando a sua cauda freneticamente e com desmedida ferocidade, avançou com um ímpeto impressionante e deveras assustador.

A graciosa criatura do Cetáceo (considerada filha de Aphyosemion, e referido muitas vezes como "cetáceo" numa evidente mistura absurda entre ciência e teologia) de quatrocentas e dez toneladas, surgiu à superfície quase na vertical mostrando os seus quarenta e sete metros, virou-se de costas para, em cima dos surpresos e incrédulos pescadores (vistos como meras bóias), fender as ondas com um impacto ensurdecedor, podendo mesmo ser visto como um enraivessido bramido de Aphyosemion. Caiu uma intensa chuva de salpicos por mais de doze minutos.

O último a findar-se, só porque pescou um golfinho bebé para dar gosto à salada (fica melhor que pimentos, para acompanhar sardinha assada) foi trespassado por um arpão lançado de um barco desses selvagens da Green Peace. Primeiro proíbem-nos de apanhar cachalotes que a tanto esquimózinho matou fome, agora isto. Não há direito...

Estranhamente não foi avistado nenhum tubarão. É costume neste tipo de tragédias aparecerem sempre tubarões para "acalmar" os ânimos dos mais agitados... acalmam os ânimos, as pernas, depois os braços, um bocado da bacia, uma omoplata, hande-soy-óne...

Acabámos por sobreviver só três, eu, o Zé o Grande e o Paulinho.

Eu não me perdi na imensidão dos oceanos porque o Zé o Grande me prendeu pelos pés, na parte de fora da pequena embarcação, convencido que todas as vezes que fui à água era em busca do peixe para "não-partilha" (muita gente estiola-se com este tipo de pesca, pode-se dizer que é a mais perigosa).

O Zé o Grande porque foi o que tinha dado mais pelo aluguer do barco (deu um garrafão de vinho lá da terra, apanhar e pisar a uva custa) e não estava ali para sair a perder.

Finalmente o Paulinho porque não sabe fazer contas. Se somarmos os que morreram e os que sobreviveram não dá os mesmos que entraram dentro do barco (não sei bem em que medida é que isto o salvou, mas que o que é importante é que ele se esquivou da morte). Talvez tenha sido da lenga lenga, que repetia incessantemente, lhe tenha evitado o mau olhado: "Ié ié ié Alfama é que é! Schupa..."

Finalmente após apearmos o barco em porto seguro, decidimos ir assentar ideias e reflectir sobre o sucedido para perto de uma barragem (a qual abandonámos junto das oito da noite, e não antes das três da tarde, isto aonde nem sequer a água estava morna e nem eu de fato de banho, já para não falar na densidade de população feminina com ar entre o "Muito" e o "Bastante" saudável que lá nos poderia prender). Para tentar esquecer tudo o que sucedeu de menos agradável, fomos para Torrão, próximo de Alcácer do Sal.

Espero que este relato não interfira com o tratamento psiquiátrico que os sobreviventes estão a ter, ao recordarem tudo pelo que passaram e sofreram. Felizmente sei manter um afastamento saudável disto dos traumas e não preciso de ser acompanhado. O Zé o Grande nega tudo o que se passou, ficou meio apanhado com a coisa com certeza.

As poucas memórias que os outros dois sobreviventes ainda mantêm, estão escritas a partir daqui.

Ainda não eram sete e meia da manhã e estavámos a comer uma bifana e a beber um small laranja f'esquinho, enquanto o resto dos choninhas do café bebiam uma meia de leite com uma torrada seca sem manteiga (já comi torradas secas e tinham manteiga). Lá seguimos para o local de pesca, desta vez com os pés em terra firme e sem sobressaltos.

Curiosamente, o menos experiente nestas andanças, eu, apanhou o peixe maior. O seu tamanho ia quase de margem a margem, só o deixei ir porque não cabia no carro e era um incómodo trazê-lo.

No fim pesei quase oitenta quilos de peixes (a balança marcava em potências de 10). Para grande parte nem foi preciso isco. Foi só lançar o anzol com uma chumbada e o peixe mordia na mesma.

Dei por findado o atribulado dia de pesca.

Com isto tudo se pode concluir que tanto o espadarte como a baleia são ambos peixes meio vesgos. Já vários charlatões afirmaram que a baleia é um mamífero... coisa mais estúpida! Vamos lá encarar os factos: se nada e vive dentro de água, é peixe! Tal como tudo o que voa é gaivota, quer seja uma abelha (por isso não há que ter medo de abelhas, não passam de gaivotas recém-nascidas, são inofensivas. Quem é que tem medo de gaivotas? O único perigo que uma abelha adulta/gaivota matriz (ou gaivota gaivota se quiserem, a gaivota original como muitos leigos a conhecem), representa para a Humanidade é quando estamos deitados à beira mar e aos olhos delas, não passamos de cadáveres que deram à costa. A gaivota, como necrofago reconhecido que é, começa a depenicar-nos os olhos, nariz e os ouvidos, certas que estão de se tratar de um corpo pálido e inanimado, inchado pelos gases da decomposição interna que no nosso âmago ficam retidos (por fora estamos conservador pelo sal da água do mar). Conclusão, apenas os gordos são atacados por abelhas (por ridículo que pareça, na imagem mental das gaivotas, são idênticos a cadáveres inchados). Nunca se viu nenhum recordista, daqueles que carrega quilos de abelhas agarradas ao corpo, gordo, pois não? E os gordos tinham vantagem por terem mais área para as abelhas se agarrarem.), um morcego ou mesmo um macaco que caia desamparado de uma árvore, são gaivotas. Apenas os animais terrestres têm duas categorias: ou são porcos, ou são cavalos. Acho, embora não tenha a certeza, que há quem esteja convencido que os pinguins existem... Lamento informar que não passam de um mito fantasiado pelos tótos dos computadores.

É importante esclarecer as pessoas.