domingo, dezembro 04, 2005

Campione Sonhatore

Vou escrever sobre algo antes que esteja fora do seu tempo e porque já se sabe que a memória é volátil (hoje ter comido de rajada uma caixa de 12 ouriços da Ericeira (na verdade comi uma caixa de 8, mas assim não é um feito tão grande, qualquer um consegue) não ajuda em nada).

A prova de natação em que participei no Domingo passado? Ganhei!

Agora estou indeciso como hei de amplificar a coisa? Irei relatá-la como uma prova hercúlea ou fui para a vitória e outra coisa não seria de esperar?
Vou tentar misturar ambas, cabe no entanto ao leitor discernir sobre qual das duas opostas variantes estarei mais inclinado a cada momento.

Era uma prova de resistência, 30 minutos a nadar e fiquei em primeiro lugar (do nível II, mas são promenores técnicos irrelevantes). Agora, de seguida, irei ser medalhado com o ouro nos jogos olímpicos e depois, já que estou a sonhar, vou ser campeão de Formula 1 e arrebatar o título mundial de rallies com um Lancia Delta ECV2 (quem não sabe qual é, basta perguntar-me ou investigar, uma pista: os que existem estão em garagens árabes), tudo isto no mesmo ano.


Não escrevi nada no próprio dia do triunfo porque tinha estado a tarde toda a acabrunhar fechado numa sala de estudo e estava meio irritadiço. Felizmente para serenar a tensão, quando voltei a casa, estava um "chicvs espertvs", que se for mesmo esperto não incorrerá no mesmo erro outra vez (pelo menos nunca mais o vi lá por perto), com o carro estacionado mesmo em frente ao portão da minha garagem. Para ajudar à minha manobra, que já era apertada (salvo seja), se fosse mesmo um estacionamento, estaria a ocupar dois lugares de atravessado que estava. Após ter tangenciado dois carros, com alguma ginástica de caixa e volante (relembro que poderia ter os braços meio cansados na altura da ocorrência e que direcção leve não é um atributo do meu veículo automóvel), para conseguir passar e enquanto o portão se abria automaticamente, fui sorrateiramente e, sem querer, como é costume nestas coisas, entortei-lhe os limpa pára-brisas. O desagradável é que do lado do condutor aquela geringonça manhosa, para além de ter ficado a apontar para ar, ficou "meio" solta e em equilíbrio para a força de impulsão causada pela haste, igualar a força gravítica provocada pela lei da atracção entre corpos, que é como quem diz em linguagem popular, "para aquela merda não cair". Vai-se lá compreender que mistério ocorreu. (Ar de Toninho) "Quando lá cheguei já estava assim, só estava a ver como estava, realmente vi três "drógados" a correr para os lados da Musgueira, e estranhei, até fui a correr atrás deles com pedras e tudo, mas eles eram três e portantos corriam mais."


Bom... seguindo para a prova de natação que é o durame deste post.

Durante o aquecimento já se denotava uma certa pressão nos concorrentes, provavelmente por não encontrarem motivos para estarem ali, quase em pelota com um frio considerável na rua (segundo o boletim meteorológico porque pessoalmente não ligo a essas coisas), num Domingo às 9 da manhã, ou por não terem ido à missa (e não receberem aquelas bolachinhas em troca do "nosso segredinho...", cortesia do padre da igreja lá do bairro) ou talvez porque se esqueceram de um tacho com carne guisada com esparguete ao lume.

Estava lá uma mocita, chamemos-lhe Irene, um nadinha perturbada com a coisa, logo no aquecimento, pimba... 50 metros mariposa com a testa fora de água que até estalou. Toda a gente sabe que mariposa é do melhor que há para aquecer, não é nada violento nem cansa, longe disso. Tive que parar porque me estava a dar algo parecido a vergonha alheia misturado com gargalhadas incontroláveis, o que dificultava bastante a respiração dentro de água.
A Cassandra (nome fictício como de costume, só o facto de eu fazer referências a esta figura da mitologia grega anda a enlear muita gente) a ter ido e dava uma tareia à maneira antiga à Irene.

No começo da prova, talvez graças ao meu aspecto idêntico ao de um dos mais temíveis vilões de sempre, o Skeletor, inimigo do He-Man, fui nomeado para ir à frente na minha pista. Ao que parece inquietou bastante um moço, o Sandro Emanuel (nome que acho que era o verdadeiro ao julgar pelas suas feições), que estava na minha pista:
- Tu no ensaio nadaste quanto?
- Não tive nenhum ensaio, ou às tantas não fui.
- Mas nadas mais ou menos quanto?
- Não tenho noção... sei lá, uns 1000 ou 1200 metros.
- É porque senão ia à frente e escusava de te ultrapassar já...
- Mô amigo... Faça o obséquio de seguir à minha frente!

Fiz 1510 metros europeus (se fosse em piscina chinesa ou no sistema métrico chinês teria certamente ultrapassado os 20 Km) e logo nos primeiros 25 metros já estava à frente dele. No decorrer dos 30 minutos dei-lhe corda (gíria automobilística) de pelo menos 350metros (passei por ele três vezes). Assim que acabou, nunca mais o vi...

Repare-se que estes 10 metros extra para lá dos 1500, foi mais para a média dar menos de 1 minuto por cada 50 metros e o suficiente para ficar à frente do Davi Dê, que se desculpa de ter tido ainda mais atletas de fim de semana (soa bem) a "comer sabão" (expressão de jargão do mundo do desporto automóvel) na pista dele que eu na minha. Eu só não passei por baixo de um não fosse o cabrão ser vingativo (vingança, um dos sete pecados mortais que eu abomino e que jamais, como já se reparou neste mesmo post, irei cometer, juntamente com a preguiça, a gula, a ira e mais um bocado de todos os outros (que por motivos técnicos não poderei aplicar-me mais). Acho que vou na "Highway to Hell") ou não fosse ele gostar de me ver as costas comigo em pleno esforço físico, nunca fiando, preferi não facilitar.


Estava lá um jovem de ar determinado muito concentrado que usava um daqueles fatos de corpo inteiro, feitos em bigode de foca e com umas aplicações em chato de colhão de baleia, para deslizar melhor na água. Gostava de saber quanto é que ele nadou (nadou certamente menos do que eu, outro resultado estará obviamente fora de hipótese), pergunta que quero acreditar que foi a mesma que ocorreu ao Davi Dê quando desabafou: "Curtia ver o melhor homem".


Na prova dos 15 minutos, numa das pistas estavam uns moços com uma largada semelhante às míticas partidas de Formula 1 na sua era dourada. Muito contacto físico, enorme confusão sem se compreender bem quem ia na frente, muita água pelo ar (em vez de fumo, ou peças, ou mesmo um motor que acabe por varrer da bancada uma quantidade de espectadores suficiente para ser considerada uma tragédia de proporções inigualáveis). Só mais tarde constatei que estava errado e que, afinal, se tratava de natação sincronizada. Muito bonito de se ver diga-se, não só por nadarem de mãos fechadas contra a cara uns dos outros, mas pela coreografia em si que estava muito bem estudada. Ora era formação em delta, ora em T, ora era em diagonal, ou o difícilimo estilo abstracto. O importante era irem todos ao molho num grupo bastante compacto, mesmo que os da pista ao lado já tivessem nadado o dobro, e ganhar vantagem nas viragens, indo de cabeça contra os que vinham um pouco mais atrás, e aplicar com melhor eficácia uma braçada de mariposa na sua variante "nós dos dedos no focinho do inimigo". Engraçado é que a competição estava confinada aos últimos lugares. Todos sem excepção, se acusaram mutuamente pelos seus maus resultados por terem "à frente um gajo muita lento que não me deixava ultrapassar e que me empurrou por uma ribanceira abaixo e eu caí e aleijei-me mas continuei a correr porque foi para isso que tive a trénar (...)".

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