terça-feira, maio 21, 2013

Plano de Evacuação: da teoria à prática

Muitos planos de evacuação são sugeridos e impostos, poucas oportunidades existem de os evocar, em situação alguma são cumpridos.

Parte I - Da Teoria


Divulgam-se os planos e são efectuados vários exercícios com a finalidade de treinar as pessoas. Marca-se dia e hora para a simulação, fazem-se soar as sirenes. Os delegados de segurança vestem coletes e metem capacetes com cerca de meia hora de antecedência para que o simulacro corra bem, aguardam pacientemente nas escadas do edifício o tocar do alarme de emergência para que a evacuação ocorra sem problemas e imprevistos.

Deixam-se terminar reuniões com gente que se julga importante e só depois se soam alarmes, atrasando toda a brincadeira. Faz-se o simulacro por piso, para não fomentar confusão nas escadas e outros acessos, todos ao mesmo tempo é gente a mais, gera pânico.

Seguem-se então as instruções dos referidos delegados. A massa humana dirige-se aos pontos de encontro através das saídas de emergência mais próximas. Os visitantes continuam acompanhados pelos visitados e tudo corre como esperado. As acções de cada um e o seu comportamento segue em total harmonia com a ISO qualquer coisa.

Outros são informados que não existe necessidade de evacuação total, que os visados serão formalmente instruídos pelas respectivas chefias. Se avivarmos que as ditas chefias são as primeiras a deixar de ser vistas (leia-se "as primeiras fugir para salvar o próprio coiro, qualquer que seja o custo"), então temos já baixas por antecipação.

Não toca o alarme numa das vezes, quando toca avisam que é teste. E se durante o teste há mesmo catástrofe? Tendo em conta que no teste há sempre falha de electricidade e não há gerador a diesel que funcione à primeira, fazendo o cheiro a plástico e metal curto-circuitado cheirar-se a quilómetros, não é difícil.

Todos respeitam um cardápio de normas ISO, mas todas estas ISO são feitas e doutrinadas por gente que nunca praticou nem presenciou uma evacuação séria. Nunca teve que sobreviver a uma qualquer catástrofe. Prova disto é estarem ainda vivos. Em qualquer calamidade eram mortalmente colhidos pelo fatífero pensamento burocrata e sentimento de preeminência intelectual que julgam deter.

Se há características que não definem as catástrofes são a sua consistência, estabilidade e previsibilidade.

Parte II - À Prática


Em caso de verdadeira emergência, com a Terra a tremer e pessoas a gritar em histeria, conseguia esta gente pintar mais depressa as calças de merda, do que vestir um colete sem nele ficar enrolado e nele se sufocar. Quem obrigou o adiar do simulacro pela dita reunião inadiável, achar-se-ia hierarquicamente superior e por certo exigiria tratamento distinto pela frente de chamas que consome o edifício. Por mim, podiam bem ser os primeiros a arder. Ao menos o fogo estava ocupado e não molestava outros.

Se não se pode usar o elevador, como é que se evacuam os aleijados? Jogam-nos pela janela? Ou são encaminhados na cadeira de rodas até junto das escadas “inspire fundo e pense em almofadas” e mal a criatura fechasse os olhos era baldada escadaria abaixo? Consulta-se um bruxo e consoante o seu parecer, as pessoas com deficiências de mobilidade são convidadas a não ir trabalhar nesse dia?

A realidade choca com a teoria. Tudo o que é bonito no conjunto e na imagem, falha no conteúdo a que se propõe. Além do mais está na genética humana, quando em situações de emergência e de elevação de adrenalina, disparar o instinto animal. No instinto animal há o sentido de sobrevivência que é erguido a valores que torna a pilhagem não só aceitável, como obrigatória. Não se pode esperar ordem e coordenação. Em caso de emergência, estamos mais com os pés no lado do tumulto do que na procissão.

Eu a ver-me numa situação de aperto, a primeira coisa que faria seria agarrar num objecto rombo ou pontiagudo. O importante é que seja uma boa e manobrável arma de defesa pessoal. Procuraria um bom agrafador ou o pé de uma cadeira, desde que fossem de metal.

Não se pode descobrir o que provocou a tragédia, pode ser sempre o começo de uma tragédia maior. Por isso é sempre recomendável preparar-nos para o pior cenário, para um mundo pós apocalíptico. Dito isto, não sugiro colher computadores portáteis pelo caminho. Para além de pesados, torna-se difícil o seu transporte em número. Apostar sim em telemóveis dos ditos smartphones. Com quatro ou cinco, para além de caberem todos nas algibeiras sem chatice e alarido, consegue-se um pé de meia para sustentar a nossa família por uns pares de meses. Levar dois portáteis para rua sem ninguém dar conta do espalhafato que é ter um volume rectiforme debaixo da barriga do casaco, é difícil. Muitas vezes com o pânico, continua o rato preso que nos denuncia arrastando-se pelo chão, chamando ainda mais à atenção. Que justificação dar?
A ideia que me fica destes simulacros é que estamos todos a sermos treinados para não sobreviventes.

4 comentários:

Dexxa disse...

Não posso deixar de concordar uma vez mais contigo..... Não há palavras.... Uma observação 1000% acertada...

Rui disse...

Posto tudo isto o único plano de emergência que considero útil, é dispor de uma planta com as localizações dos colegas que têm iphones ou telemóveis da gama dos Galaxy S. Esta planta deveria estar em cada edifício e feita daquele material que brilha no escuro.

Vencislago disse...

Obrigado pelos comentários que me são tão importantes. Se concordam comigo, são pessoas dadas ao dom do pensamento.

Tenho a dizer que o amigo Rui teve uma observação inteligente, astúta e pertinente, revelando um plano engenhoso.

Tem futuro este rapaz, se quiser vestir uma carreira de empreendedor num negócio mais alternativo.

Abraços.

JPS disse...

No fundo,
A teoria é próxima disto:
http://www.youtube.com/watch?v=x51IVApQlKM
... Enquanto que a realidade assemelha-se a isto:
http://www.noob.us/humor/the-office-fire-drill/

Abraços